Crônicas da velha Ribeira (4)

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Se Geraldo França Vieira, antigo comerciante de automóveis usados aqui na Velha Ribeira, é homem dos mais sabidos, o “coronel” Geraldo de Sá Bezerra, hoteleiro, numismata e colecionador de relógios de bolso e de parede, já falecido, não ficava nem um pé, atrás dele. Essa dupla de Geraldos, verdadeiros “self-made-men” na linguagem gringa, venceram na vida começando do nada. E o que aconteceria, num confronto entre essas duas cobras? Na certa, uma batalha de inteligência e de sagacidade, um verdadeiro jogo de xadrez, disputado por dois “grandes mestres”…Pois esse embate aconteceu há aproximadamente de 30 ou 40 anos, quando o “coronel” Geraldo decidiu-se pela compra de um Simca Chambord (foto acima) e procurou o outro Geraldo, que trazia esses carros de Campina Grande. Naquela época, a cidade paraibana era grande abastecedora de carros ao mercado natalense.

Os Simca, eram os carros mais luxuosos, então produzidos no Brasil, cuja indústria automobilística ainda engatinhava, naquele começo dos anos sessenta. E o bacana, era ter um Simca de duas cores, o chamado “saia e blusa”, que tinha a capota de uma cor e o resto da carroceria de outra. O duelo começou quando o coronel Geraldo entrou na loja do Xará, fingindo interessar-se por outro carro, mas o que ele queria era um Simca, mesmo. Manhoso, Geraldo França – mesmo sabendo, por intuição, o que o coronel queria – fez de conta que tava lhe vendendo outro carro, mas, tendo o cuidado de não abrir mão de nada, nadinha mesmo, no que se referia exclusivamente àquele “pretendido” veículo…

– Coronel – disse-lhe Geraldo França – neste carro eu não posso lhe fazer nenhuma diferença, nem um descontinho, porque num tenho margem, nele.

Se você quisesse um Simca, enfatizou, pondo a mão no magnífico modelo que tava na loja, aí sim, posso lhe fazer uma diferença.

– Mas, Geraldo, esse é um carro muito caro.

– Queísso, Coronel! Sei que dinheiro num é problema. Leve o bicho!

O coronel queria o carro, tinha o dinheiro para comprá-lo, mas, tava no seu sangue lutar para conseguir uma vantagenzinha, qualquer uma. Além do mais, o carro era de uma cor só – vermelho vivo, impecável, lindo – e o coronel desejava um “saia e blusa”…Soltou a isca:

– É, Geraldo, se o bicho fosse “saia e blusa”, eu até que ficaria com ele…

Geraldo nem pestanejou:

– Pois eu mando buscar outro, do jeito que você quer, hoje mesmo, em Campina Grande e lhe entrego amanhã.

O coronel ficou sem saída. – Tá fechado. Pode mandar buscar.

Finda a “batalha”, foi um Geraldo saindo por uma porta e o outro Geraldo saindo por outra.

O hoteleiro voltou ao seu hotel, na Câmara Cascudo, onde passou a sonhar acordado, com seu Simca novo, “saia e blusa”

O vendedor de carros, foi à procura de um terceiro Geraldo, o exímio pintor de automóveis Geraldo Manso, que tinha oficina ali perto da Base Naval.

Naquela noite, um Simca Chambord vermelho vivo, transformou-se num reluzente “saia e blusa” vermelho, com capota branca, coqueluche do momento, para os bacanas da época…

…Que, no dia seguinte, foi entregue ao feliz proprietário.

Campina Grande – acreditem – fica no Alecrim.

Foto: Fernando Siqueira

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