Pesquisadores do HUOL e IMD buscam aprimorar técnica para melhorar tratamento com Terapia Larval

José Damasceno de Aquino tem 50 anos e é morador do município de Santa Cruz, na região agreste do Rio Grande do Norte. Transplantado de rins e diabético, tinha um ferimento no pé que não cicatrizava e cada vez mais se agravava numa infecção. A solução clínica foi retirar uma parte do seu calcanhar, o que não resolveu o problema, e levou à necessidade de amputação do pé, por inteiro.

Paciente do Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL), José Damasceno passou 66 dias internado, entre diversas idas ao centro cirúrgico na tentativa de encontrar soluções para cicatrizar de vez a ferida, que só piorava e sinalizava a possibilidade de exigir a amputação do membro inferior, incluindo a coxa. O fim do suplício de José aconteceu quando ele conheceu Julianny Barreto Ferraz, enfermeira e coordenadora da Comissão de Curativos do HUOL, que lhe apresentou como possibilidade de tratamento para a sua ferida, a Terapia Larval.

“Os médicos não sabiam mais o que fazer, mas chegou Julianny com a proposta de fazer a Terapia Larval e eu aceitei. Recomendo para quem precisar fazer, porque eu estou muito bem. A terapia foi quem salvou a minha perna, se eu soubesse dela antes, talvez nem precisasse amputar o meu pé”, afirma José Damasceno.

José Damasceno, paciente, acompanhado da esposa e equipe responsável pelo tratamento de Terapia Larval no HUOL (Foto: Anastácia Vaz)

A Terapia Larval

José Damasceno está entre os 18 pacientes que já receberam tratamento de Terapia Larval no HUOL. Uma técnica de desbridamento biológico, ou seja, da limpeza e retirada dos tecidos mortos de feridas, reduzindo a quantidade de microorganismos nelas existentes e contribuindo no processo de cicatrização. Popularmente aplicada em países como Alemanha, Holanda, Estados Unidos, Israel, Canadá e México, a técnica consiste na utilização de larvas de moscas vivas, esterilizadas em laboratório, aplicadas sobre as feridas. A espécie de mosca utilizada se chama Chrysomya Megacephala. Por ser necrobiontofaga, ela digere apenas o tecido morto da ferida, mantendo o tecido vivo intacto e estimulado a cicatrizar.

A enfermeira explica que as larvas atuam na cicatrização das feridas porque estimulam, com seu movimento, a produção de exsudato seroso e tecido granuloso de cicatrização, por se alimentarem de bactérias e tecido necrosado. Elas esterilizam o material que passa por seu tubo digestivo e secretam agentes terapêuticos, como a alantoína e uréia. Para Julianny Barreto, o diferencial da aplicação desta técnica, em detrimentos das demais, está na otimização do tratamento. “A relevância da Terapia Larval é que você consegue combater processos infecciosos locais. Damos ao portador de uma ferida crônica complexa a possibilidade dele ver uma luz no final do túnel”, explica.

Pioneirismo

A Comissão de Curativos do HUOL é destaque no Brasil por ser a única unidade médica no país a oferecer a Terapia Larval como um método de tratamento para os pacientes. Esse feito acontece, desde 2012, graças ao interesse de Juliany que coordena a Comissão, e Renata Antonaci, entomóloga responsável pelo Laboratório de Insetos e Vetores, que funciona no Centro de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (CB/UFRN), no campus central. “Eu já conhecia a Terapia Larval, e pensei que seria uma boa ideia desenvolver aqui. Uma aluna minha do curso de enfermagem conhecia Julianny, fez essa ponte entre a gente , começamos a pensar como fazer”, lembra Renata.

Dinâmica de trabalho

Os pesquisadores do Laboratório de Insetos e Vetores coletam as moscas em campo, e, depois, as criam no laboratório, onde se alimentam de uma dieta específica com o objetivo de estimular que a fêmea ponha ovos. A partir desses ovos, começa a criação das larvas.

A quantidade de larvas utilizadas em cada aplicação depende do tamanho da lesão do paciente e do estoque que o laboratório vai disponibilizar . As larvas são aplicadas na lesão, e então é feito um curativo, colocando uma gaze não aderente e úmida no soro por cima das larvas, seguida de uma gaze seca e atadura. Os pacientes assinam um termo de consentimento que garante que eles serão submetidos a terapia até o momento em que assim permitirem.

“Em seis anos de aplicabilidade de Terapia Larval não tivemos nenhuma recusa. Os pacientes se encantam mais do que nós profissionais, porque era a saúde deles que estava em jogo. Conseguimos por meio do nosso trabalho desmistificar o asco em relação ao uso do inseto no ser humano”, comemora Julianny.

Preconceito

Para as profissionais que trabalham com a terapia no HUOL, o principal empecilho para que a Terapia Larval seja amplamente aplicada nos serviços de saúde no país é o preconceito. “É o preconceito, em alguns casos dos médicos, porque eles não conhecem e quem conhece, acha nojento. Os profissionais de enfermagem da Comissão de Curativos do HUOl tem autonomia para executar uma prescrição, mas isso nem sempre acontece em outros hospitais”, afirma a entomóloga Renata Antonaci.

Julianny Barreto, diz que é preciso desmitificar a mosca como algo sujo. “O fato dela ser vista como algo asqueroso é o maior empecilho para que a gente consiga fazer Terapia Larval no resto do país”.

Perspectivas

Com a proposta de otimizar o trabalho da equipe de enfermagem, Bruno Santana e Bruno Mota, professores do Instituto Metrópole Digital (IMD) e do Departamento de Informática e Matemática Aplicada (Dimap), respectivamente, contribuem com o trabalho de Julianny Barreto e Renata Antonaci, compondo uma equipe multidisciplinar que alia: Biologia, Saúde e computação.

O primeiro fruto dessa parceria foi o trabalho de Conclusão de Curso de Vitor de Godeiro Marques, estudante do Bacharelado em Tecnologia da Informação da UFRN . Vitor realizou um estudo sobre um algoritmo capaz de identificar os tipos de tecidos presentes numa lesão, e, a partir disso, desenvolver um aplicativo para smartphone que realize a aferição da área de necrose e indique quantas larvas e aplicações devem ser realizadas em cada paciente. “O cálculo de larvas que as enfermeiras conseguem fazer é uma estimativa. Nós da computação pensamos que poderíamos interferir com alguma contribuição nesse sentido para ajudar e otimizar o trabalho dos profissionais da enfermagem”, explica Bruno Santana.

Durante o seu desenvolvimento, o trabalho recebeu, em 2017, o prêmio de melhor trabalho em andamento no 17º Workshop de Informática Médica (WIM), realizado na cidade de São Paulo. De acordo com Bruno Santana, o trabalho contribui para identificar a existência de algoritmos adequados para a funcionalidade da terapia e, a partir disso, aprimorar o conhecimento. “O que a gente tem que fazer agora é continuar cuidando desse software para que ele fique mais fácil de usar, ocupe uma memória menor e seja eficiente”, aponta.

Pesquisadores do IMD estudam o uso da tecnologia para aprimorar a funcionalidade da terapia (Foto: Anastácia Vaz)

Boletim produzido pela Agência de Comunicação da UFRN – AGECOM
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