Entrevista exclusiva: Rui Muleque

Primeiro campeão brasileiro de street, aplaudido por nomes como Tony Hawk e Steve Alba, Rui Muleque sempre foi sinônimo de skate do mais alto nível. Não a toa é reverenciado por gerações e gerações de atletas, que cresceram vendo e ouvindo sobre os seus feitos, que escancararam as portas do mundo para o atual skate brasileiro.

Chamá-lo de “pioneiro” seria pouco, sendo mais apropriado “destruidor de obstáculos”. Sim, pois as ruas que forjaram o talento de Rui Muleque eram muito diferentes das atuais — receptivas e simpáticas aos atletas do esporte. Além da mais completa falta de pistas e locais destinados a prática do skate, havia ainda a ignorante estigmatização dos praticantes como “marginais”, o que levou a famigerada proibição do skate na cidade de São Paulo (em 1988, por Jânio Quadros) e que acabou sendo seguida por muitos outros municípios. Junte-se a isso a escassez de marcas e equipamentos de qualidade, no que teremos um cenário mais do que desestimulante para qualquer atleta… só que não.

Mesmo com um horizonte tenebroso e de risco pela frente, o skate brasileiro literalmente inventou seu próprio caminho. Se as marcas gringas sequer sabiam aonde o nosso país ficava no mapa, criamos as nossas próprias, sem receita pronta e tateando, no que estas acabaram “adotando” os atletas e criaram equipes lendárias que competiam e se apresentavam em todo o país. Quando, em 1989, o Brasil simplesmente “apareceu” no clube privé dos gringos, o campeonato Münster Monster Mastership, foi tão surpreendente para eles quanto seria para nós ver neve no Sertão, mas de lá não saímos nunca mais. Hoje não há um só lugar no planeta em que o skate brasileiro não seja reconhecido: obrigado Rui!

Homens como ele criaram o caráter do skate nacional: que floresce aquém das adversidades e transforma barreiras em diferenciais oportunos. Mas ninguém melhor do que o próprio mestre para ensinar essa receita, não é mesmo?! Por isso, com a palavra Rui Muleque!

A primeira vez que vi um deck profissional na vida foi o seu model, com a Esfinge de boné virado, que acabou se tornando lendário (como todos os seus models subsequentes). Sabendo que você ainda é um grande amigo do Mauro Lifestyle, pergunto: porque não houve reedições destes decks até hoje?

A Lifestyle sofreu uma queda por conta do Plano Collor e não conseguiu se reestruturar. Agora estamos trabalhando para relançar (reissue) os principais models Lifestyle dos anos 80. Já está em fase final de aprovação, em breve teremos eles no mercado.

Os decks, até meados dos anos 90, tinham milhares de formatos e tamanhos, mas depois praticamente se uniformizaram no “double deck”. Como foi essa transição para você? De vez em quando ainda experimenta modelos “old school”?

Eu acho válido a transformação, porquê a galera começou a andar dos dois lados (switch e normal), por isso a necessidade do shape em formato bolacha Maizena. Eu prefiro andar com model Old School.

A semelhança de Christian Hosoi, você também se tornou um cristão. Como isso ocorreu em sua vida e como influencia o Rui Muleque de hoje?

Deus te ampara nas horas difíceis e direciona você para o que é certo/justo. Conheci a Palavra quando fui curtir o Carnaval de 1999 na casa de um amigo (Lú Figueiredo), em Camburi. Quando cheguei lá, alguns amigos dele também foram passar o carnaval, mas com um propósito diferente. O Pastor Rina (hoje apóstolo da igreja Bola de Neve) estava se desvinculando da igreja Renascer no objetivo de iniciar um novo Ministério. Acabei participando da primeira reunião com não mais que 10 pessoas e ali ele profetizou: “estamos iniciando hoje um novo ministério que irá crescer como uma Bola de Neve, arrebatando pessoas para Jesus”.  Mais à frente conheci a igreja Batista Palavra Viva, onde me batizei.

O início dos anos 90 marcou coincidentemente uma crise no skate aqui e nos EUA, por motivos diferentes, mas que podou a carreira de muitos profissionais consagrados. Qual foi o cenário dentro da equipe Lifestyle e como foi este momento para você em específico?

1989 foi um ano maravilhoso para mim, pois fui duas vezes para a Europa (julho Alemanha e outubro Portugal) e fechei o ano em primeiro no ranking, sendo consagrado Campeão Brasileiro de Street Profissional. Mas, em abril 1990, houve o Plano Collor que confiscou todo o dinheiro da população. Aí, da noite para o dia, as empresas não tinham como pagar os salários dos atletas, não havia mais campeonatos, nem apresentações. Mesmo assim a Lifestyle mandou eu e o Cláudio Secco para o Mundial da Alemanha e França, mas foi uma época difícil para o skate, que só foi recuperar sua força 5 anos depois.

O skate atual praticamente uniu as modalidades “freestyle” e “street” numa só (não à toa o Rodney Mullen é considerado o pai do street moderno). Dava para imaginar que o skate seguiria por esse rumo?

São tendências, o skate ele sempre mesclou as modalidades, se reinventando a todo momento. Você vê hoje manobras de street sendo feitas no vertical e vice-versa; manobras de street feitas no Downhill. Por isso, quanto mais você se diversificar no skate, mais base terá.

Você acompanha os campeonatos e os atletas atuais? Haveria algum nome que se sobressaísse em sua opinião?

Estamos nos aproximando das Olimpíadas. Temos grandes nomes aqui, com chances reais de medalhas. Gosto muito do rolê no Park de Luiz Francisco (Luizinho) e no Street pra mim é o Kelvin Hoefler, por sua constância. Também temos nossas meninas que estão arrebentando tanto no street quanto no Park.

O brasileiro Kelvin Hoefler tem destaque no campeonato ‘Super Crown’, em Los Angeles, nos EUA. – Foto: InnerSport

Qual a sua manobra preferida e que poderia ser chamada de “sua marca”?

Meu Layback Air é minha assinatura, o jeito que eu contorcia ele não tinha igual. Mas gosto também dos wallrides e os 360 nas antigas rampas de salto.

Você sempre foi um skatista de velocidade, com grandes voos e manobras inesperadas que tiravam o fôlego de quem assistia. Nunca me esquecerei de uma demo sua num campeonato em Campo Grande – MS, onde você realizou um 50-50 no alto de um muro gigante, que estava preparado para wallrides… diante disso, pergunto: os vôos ainda fazem parte das suas sessions?

Infelizmente não faço mais street, meu tornozelo, de tanto torcer e não cuidar direito, não aguenta mais impacto. Por isso só ando de banks e miniramp, pois não força muito.

 Os EUA foram o destino de muitas lendas do skate old school brasuca, como: Cupim, Álvaro Porquê, Thronn, Daniel Trigo, Bob Burnquist, Uêda e outros. Depois do Münster Monster Mastership, na Alemanha, você não balançou em seguir uma carreira na gringa? Nível você tinha de sobra…

Nunca tive pretensão de morar fora do Brasil, mas se tivesse que escolher, iria para Europa, pela diversidade de cultura e facilidade em conhecer outros países, falar outras línguas etc.

A equipe Lifestyle foi a “Bones Brigade” brasileira, juntando a nata do skate da época debaixo de um só teto. Vocês ainda se encontram para fazerem sessions juntos? Como é o contato de vocês hoje?

Hoje moro em Ribeirão Preto, a 300km de São Paulo. O Mauro (dono da Lifestyle) mantém contato com todos e às vezes nos reunimos para lembrar das histórias e dar boas risadas.

Houve algo no mundo do skate que você gostaria de ter realizado, mas que por um motivo ou outro não realizou?

Posso dizer que sou um skatista realizado, pois tive a oportunidade de andar de skate com meus ídolos (Mark Gonzalez, Natas Kaupas, Rodney Mullen, Tony Hawk etc.). Se fosse mais novo talvez me arriscaria na Mega Rampa para sentir essa emoção.

Rui Muleque e a Mega Rampa – Imagem: Acervo

Como foi a transição de atleta do skate para fomentador do esporte, montando uma skateshop e patrocinando atletas? O que você trouxe da sua experiência para o mundo dos negócios?

Não foi uma coisa planejada, aconteceu em decorrência do Plano Collor.   Foi bom porquê continuei no skate, conhecendo o outro lado. Administrando a loja, fazendo campeonatos, patrocinando atletas etc. Mas tudo que você faz com paixão e dedicação próspera.

Mestre em todos os sentidos: preparando os futuros campeões do Brasil – Foto: JR Lemos

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