Análise: 8-Bit Hordes (Multi) é um Command & Conquer medieval com bloquinhos

Se o gênero de estratégia em tempo real, o famoso RTS (real time strategy), tem sido relativamente pouco explorado por lançamentos recentes em seu “habitat natural” — os PCs —, o que dizer dos consoles, território pouco propício para receber games cuja jogabilidade comumente gira em torno da resposta rápida em uma grande variedade de comandos complexos no velho esquema de mouse e teclado?

Lançada originalmente em 2016, a série 8-Bit da Petroglyph Games é um bom exemplo de como o gênero pode funcionar nos consoles de mesa, o que faz com que sua chegada ao PlayStation 4 e Xbox One, ainda que dois anos atrasada, guarde um interesse para os que buscam por algo do tipo. O segundo título da trilogia, 8-Bit Hordes (Multi) é o sucessor de 8-Bit Armies (Multi), e deixa de lado o cenário militaresco moderno em favor de uma temática de fantasia medieval. Poderia o combate de guerreiros, orcs e dragões 8-bits empolgar tanto quanto os clássicos nos quais ele se inspira? Será que o game, originalmente desenhado para o PC, funciona bem nos consoles?

A batalha dos bloquinhos

Evocando já em seu título um inegável apelo retrô, 8-Bit Hordes (Multi) faz uma escolha curiosa de estilo visual para se prestar tributo. Isso porque, ao invés de retomar elementos dos anos 80 e sua seminal era 8-bits dos consoles, a grande inspiração do jogo vem de uma década depois: a igualmente definidora de estilos Command & Conquer (PC).

Desde as mecânicas básicas do jogo até sua própria interface (de forma ainda mais marcada na versão para PC) remetem à série clássica da Westwood Studios, o que pode ser explicado pelo fato de que a produtora Petroglyph foi formada por ex-funcionários da Westwood, após a incorporação da mesma pela EA em 2003. Contando hoje com um time mais amplo de produção, essa espécie de “auto-homenagem” as raízes do RTS se propõe a combinar elementos de um gênero tradicionalmente complexo com um estilo de jogo mais descontraído e acelerado.

Nesse sentido, o visual colorido e cartunesco combina perfeitamente com a proposta do título. Ao invés de uma simulação realista, as guerras retratadas pelo game se assemelham mais a uma brincadeira de LEGO, como todo o seu charme devido. Justamente por esse caráter de “pegar e jogar”, a ideia de trazer o título para os consoles parece especialmente promissora, uma vez que se trata de uma experiência mais acessível do que os RTS mais ortodoxos.

Em uma variedade de ambientes que vai desde florestas verdejantes até desertos inóspitos, os mapas do jogo são pontuados com diversos detalhes que garantem vida e muito charme à frente visual do título. Complementando essa eficiente opção gráfica, a trilha sonora do jogo empolga com composições que variam entre chiptunes retrô e orquestramento épico para Senhor dos Anéis nenhum botar defeito.

Por outro lado, em termos de história o jogo deixa um pouco a desejar. Embora apresente uma narrativa mínima em forma de textos ao longo do modo campanha, a proposta é de se pensar o conflito literalmente como um jogo: nosso personagem de inserção é um comandante condenado a reencenar o mesmo conflito, alternando suas facções, sem que haja muitos motivos para além da simples brincadeira.

Ainda que isso traga a oportunidade para a produção trazer toques de comédia e sátira, no panorama geral faz falta uma contextualização maior do universo do jogo. Não é por menos que o lore por detrás das facções e suas guerras é algo que sempre tenha atraído os jogadores de Warcraft, Starcraft e do próprio Command & Conquer — as cutscenes com atores reais dos títulos inicias da saga, por exemplo, eram um dos grandes destaques e ajudavam a garantir a ambientação dos conflitos, dando um senso de importância e narrativa aos eventos das missões.

Comandando e conquistando

O sistema de batalhas deve parecer familiar para qualquer um que já tenha jogado algum dos títulos tradicionais da franquia C&C. Porém, se é verdade que os “veteranos” se sentirão em casa desde o início, os “novatos” também não devem demorar para se ver confortáveis no comando de suas legiões de guerreiros “emblocados”.

Isso porque o modo campanha se inicia com um breve tutorial que guia o jogador por cada uma das mecânicas básicas do game: construções, criação e gerenciamento de unidades e sua movimentação pelo mapa. Em pouquíssimo tempo, já é possível se inteirar das tarefas que serão executadas ao longo de todo o jogo. Com mecânicas simples e jogabilidade estratégica bastante focada, o game apresenta um apelo “sente e jogue” o qual nem sempre se encontra no gênero.

Assim como ocorre nos títulos clássicos em que se baseia, o conflito se divide em duas hordas diferentes: os Lightbringers, aliança de humanos alinhados às forças do “bem”; e os Deathsworn, grupo liderado por Orcs que almeja a destruição dos humanos. Embora traga diferenças visuais bastante óbvias e uma seleção aparentemente diversa de unidades, na prática o estilo de jogo de ambas as facções acaba convergindo em torno de um modelo muito parecido. Unidades e construções mais únicas para cada facção provavelmente poderiam trazer uma necessária diversidade maior para a experiência, sem sacrificar seu caráter mais casual.

O único recurso para criação de construções e unidades é o ouro ($), o qual pode ser minerado por unidades do tipo coletora (harvester), criadas na base principal de sua facção. Os mapas geralmente contém vários pontos de mineração, indicados por um “$” no minimapa, os quais são automaticamente buscados pelas unidades mineradoras.

A expansão da base acaba tendo que levar em conta essa atividade econômica simples, porém desafiadora: a construção de castelos próximos às minas é sempre uma boa ideia (quando possível), e grande parte das guerras se inicia com ataques covardes aos seus indefesos garimpadores em meio ao seu trajeto de trabalho. Também é necessário distribuir bem o número de coletores por mina, já que os eventuais “congestionamentos” podem lerdear o acúmulo de recursos. Nesse jogo, como em todo bom RTS, tempo é, literalmente, dinheiro — dinheiro que, por sua vez, se reverte em soldados e construções para destroçar a concorrência.

Outro recurso central é a comida, que determina o máximo de população que é possível se comportar em determinado momento. Atuando de forma análoga à energia elétrica em C&C, as reservas alimentícias garantem a boa operação das construções da base, sendo que para expandir suas tropas é sempre necessário garantir que haja fazendas o suficiente construídas. Embora cada fazenda incremente a população máxima, há um limite fixo de 100 unidades, divididas entre tropas e harvesters.

Garantido o ouro e a comida, resta erguer as defesas conta inimigos e construir as centrais de treinamento necessárias para se forjar aquele exército bacana. A seleção contempla algumas figuras conhecidas da fantasia medieval: guerreiros, paladinos, arqueiros, cavalaria, lanceiros e magos se unem a criaturas mitológicas como elementais, ogros, dragões e árvores vivas. Com designs carismáticos, as unidades são divididas de maneira equilibrada entre as duas facções, e cumprem papéis diferentes no esquema de fraquezas e resistências do jogo, gerando o tradicional esquema de “pedra, papel ou tesoura” na formação de tropas.

Com quantos bits se faz um exército?

O que diferencia o jogo para o espectro mais casual, por sua vez, é a agilidade da criação dos exércitos. A build tree de cada facção segue um esquema bastante linear, sem abrir muitas possibilidades de diversificação. Com isso, a solução estratégica na maioria das vezes consiste em conseguir um misto equilibrado de unidades diferentes, sendo que a vitória acaba ficando especialmente associada à extensão das tropas. Ou seja: uma tropa imensa e diversificada, o mais rápido possível, será a solução procurada na maior parte das vezes por todos os lados do tabuleiro, não havendo muito espaço para estratégias mais arriscadas ou imprevisíveis.

Isso acaba sendo acentuado pela baixa controlabilidade das unidades no mapa. O jogador conta com opções mínimas de gerenciamento das tropas — patrulha, defesa e ataque, sem opções de formação —, e sua movimentação no esquema de controles do joystick se dá normalmente em grandes agrupamentos. É possível subscrever cada unidade, no momento de criação, a uma das três tropas designadas a cada botão (◻, Δ ou O). Uma vez feito isso, não é possível transferir as unidades entre tropas, sendo que a movimentação de cada uma se dá sempre por inteiro.

Isso cria dificuldades no manejo de várias frentes de batalha — lugar comum para jogos RTS, mas que acaba acentuada aqui pelo esquema de controles via joystick. Não ajuda que as construções só possam ser erguidas uma de cada vez, sem possibilidade de enfileiramento, o que nos convoca sempre a “pajear” nossa base, o que novamente nos joga para fora da zona de conforto dos controles via joystick.
Apesar de iniciar com missões expositivas do tipo que “segura a mão” do jogador e restringe suas ações, rapidamente o modo se transforma em um sistema de aprendizagem mais flexível e — o mais importante de tudo — divertido. Cada missão da campanha conta com três objetivos diferentes: bronze, prata e ouro; com seus respectivos pontos de interesse convenientemente indicados no minimapa.
Para progredir para a próxima missão, basta vencer o objetivo de bronze, que libera construções e unidades para uso geral na campanha. Porém, cumprir os objetivos de prata e ouro presenteia o jogador com unidades e construções extras, as quais incrementam a “composição inicial” de sua facção. Por exemplo, caso encontre dificuldades em cumprir determinado objetivo de bronze, é possível retornar a uma missão anterior e tentar um objetivo de prata ou ouro para obter dinheiro ou unidades extras para o “pacote inicial” de sua base.
Isso adiciona uma interessante progressão para uma campanha que de resto é bastante rasa em termos de conteúdo. Com a esmagadora maioria dos objetivos girando em torno de destruir pontos-chave do mapa, fazem falta missões mais diversificadas como, por exemplo, focadas em stealth ou mesmo em defesa da base. A opção de campanha cooperativa adiciona complexidade (e desafio) para as missões, e pode ser uma boa para os que tem a conveniência de ter um aliado fixo para as jogatinas contra a AI.

Fora da campanha, o jogador conta com a tradicionalíssiam opção skirmish, batalhas diretas entre jogadores humanos e a AI. Ainda que sem muitas opções de customização, os jogos na modalidade divertem bastante e provavelmente serão o grande atrativo do jogo para os veteranos do gênero. Novamente, a velocidade e a “força em números” dos exércitos acaba tendo um papel mais determinante do que a própria estratégia. Um dos pontos mais interessantes é a agilidade das partidas: nada de afundar muito tempo em um mesmo mapa, já que a construção da base e exército se dá com extrema velocidade e em poucos minutos as horas já se encontram em plena degladiação pelos cantos da tela.

Por fim, outro pronto que merece destaque é o “cross-play” interno da série 8-Bit, que permite colocar as hordas fantásticas de Hordes para guerrear contra os exércitos de Armies ou os alienígenas de Invaders!, por exemplo. O fator aumenta bastante o conteúdo e diversidade do pacote, além de incrementar seu apelo visual, adicionando novas coleções de figuras ao imenso playground de guerra. Para os que gostarem de um dos jogos da série, vale a pena conferir os outros cenários e sua interação no modo skirmish.

Hordas pixelizadas

Ou seja, especificamente para os que buscam uma transposição de mecânicas mais complexas, como microgerenciamento de unidades ou tech trees bem ramificadas, as simpáticas hordas pixelizadas podem não ser a melhor pedida.
Tirando isso, num panorama geral, 8-Bit Hordes traz elementos que devem interessar tanto aos novatos quanto aos veteranos do gênero RTS. Os primeiros encontrarão no jogo uma introdução interessante, didática e com uma boa curva de aprendizado no modo campanha. Já os segundos encontrarão aqui uma experiência mais simples e focada do gênero, ideal para uma jogatina “de sofá” mais descompromissada.

Prós

  • Mecânicas clássicas propiciam uma jogabilidade acessível e rápida em um gênero tradicionalmente complicado;
  • Modo campanha incentiva o replay com objetivos extras e desbloqueáveis, entretendo para além de um simples tutorial extenso;
  • Jogabilidade ágil e descomplicada, mantendo todo o charme do gênero RTS;
  • Boa adaptação dos controles de mouse e teclado para os consoles;
  • Mecânicas sem excessos devem agradar aos fãs do gênero RTS em busca de uma experiência mais descontraída;
  • Audiovisual carismático.

Contras

  • Pouca variedade de construções e unidades pode deixar a experiência repetitiva, se comparada com títulos mais recentes do gênero;
  • Modo campanha peca pela ausência de uma história e missões repetitivas;
  • Simplicidade das mecânicas pode não agradar aos fãs do gênero em busca de um RTS profundo.
8-Bit Hordes — PS4/XBO/PC — Nota: 7.0
Versão utilizada para análise: PS4
Análise produzida com cópia digital cedida pela SOEDESCO
Texto de Giba Hoffmann
Fonte: GameBlast
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