Far Cry New Dawn (Multi) e a inerente necessidade da Ubisoft de se reinventar

Far Cry New Dawn (Multi) não chegou com toda a pompa de um título numerado da franquia. A bem da verdade, foi anunciado de forma discreta e para certa surpresa do público (apesar de ter sofrido com vazamento de informações antes do anúncio oficial). Reutilizando o mapa e muitas das mecânicas previamente estabelecidas em Far Cry 5 (Multi), o novo título da série traz muita qualidade, mas também demonstra que já é hora de a Ubisoft descansar a marca e repensar conceitos para serem trabalhados dentro dela.

Uma cultura “ubisoftiana”

À primeira vista, New Dawn se destaca especialmente por sua temática pós-apocalíptica inédita na franquia, adotando um estilo artístico colorido que foge da convencional paleta de cores acinzentadas e “mortas” de títulos que abordam o fim do mundo. Seus cenários vibrantes saltam aos olhos com uma flora diversa e predominantemente rosa e azul, assim como uma fauna exótica e modificada graças aos resultados dos ataques nucleares representados no jogo.

É preciso reconhecer que New Dawn também consegue expandir conceitos implementados em FC5, como as Armas de Aluguel. O sistema de Armas de Aluguel consiste em parceiros que podem acompanhar o jogador durante as aventuras por Hope County. Em ND, utilizar esses parceiros frequentemente desbloqueia novas habilidades para cada um deles, ampliando seu leque de ações durante os combates.

Embora traga elementos inéditos, como a adoção de um sistema de barras de vida e nível para os inimigos, ND repete fórmulas exauridas dentro da série, como o sistema de captura de postos avançados e esfolamento de animais para a obtenção de recursos. A execução é de muita qualidade, mas é preciso ressaltar como tudo tem sido bastante repetitivo.

Talvez a repetição mais simbólica dentro não apenas da série Far Cry, mas como diversas outras da Ubisoft, como Assassin’s Creed e Watch Dogs, seja a presença de torres de reconhecimento regionais. Em títulos da Ubisoft, não é incomum uma das atividades secundárias ser a necessidade de se escalar até o topo de algum local para identificar e abrir uma porção do mapa. Em Far Cry foram necessários, aproximadamente, dois títulos principais para que o sistema fosse abolido e viesse a ser motivo de piada em Far Cry 5.

Esse costume de repetir à exaustão algo que deu certo em jogos passados é inerente à Ubisoft, que tende a jogar no seguro quando o assunto são continuações. Foi preciso que Assassin’s Creed estivesse sem quase força nenhuma para apresentar novidades para que a produtora decidisse deixar a franquia em um hiato de um ano, interrompendo assim a presença anual da saga. Os benefícios trazidos para AC foram imensos, demonstrando que, com o tempo devido, a equipe de desenvolvedores conseguirá atiçar sua própria criatividade e criar experiências únicas e cheias de novidades.

Uma nova era de vilões

O recomeço recente de Far Cry veio em 2012 com Far Cry 3 (Multi), que se destacou muito por conta de seu antagonista, Vaas. Como vilão, Vaas trouxe como principais características sua habilidade em recitar monólogos inspiradores, amedrontadores e loucos. Seu relacionamento com o protagonista, Jason Brody, trouxe momentos marcantes não apenas para a série, mas também para o mundo dos jogos como um todo, se tornando uma referência na criação de um vilão. A bem da verdade, é muito mais fácil simpatizar com Vaas do que com Jason, tamanha é a qualidade que o vilão possui com seus sadismos e doses cavalares de insanidade.

Apresentar vilões com características extremas e com um pezinho na loucura acabou se tornando uma marca da Ubisoft nos últimos anos, tendo ela tentado replicar o sucesso de Vaas com Pagan Min (Far Cry 4) e Joseph Seed (Far Cry 5). Todos eles se parecem, de certo modo, apresentando comportamentos perturbados e fora da realidade, sendo regidos por princípios próprios ou, no caso de Joseph, princípios “ilusórios”. Frases de efeito e monólogos também se fazem presentes com esses vilões, mas nenhum deles teve o impacto que Vaas conseguiu ter sete anos atrás.

As gêmeas de Far Cry New Dawn, Mickey e Lou, são a personificação da fórmula da Ubisoft de se criar um vilão. São apresentadas como duas pessoas movidas à violência, com um lema próprio (“Existem os criadores de problemas e resolvedores de problemas”) e monólogos aqui e acolá.

Durante as missões, as tentativas de criar pavor no jogador são minadas justamente pela sensação de déjà vu. Além disso, a humanização das mesmas não ocorre de maneira satisfatória, colocando-as em um patamar muito abaixo do esperado, ainda que possuam diálogos e cenas interessantes.

È hora de sentar e discutir o que faz um bom vilão, e como transformar vilões que poderiam ser comuns em seres que marcam o jogador assim como Vaas marcou. Vaas, aliás, deve ser usado como um ponto de referência, e não como partida.

Far Cry, assim como Assassin’s Creed e tantas outras franquias no mundo dos games, poderia se beneficiar muito com um descanso bem dado. Não existe a necessidade de se reinventar a roda, mas sim a necessidade reinventar a si mesmo, reconhecendo a existência do passado da série como algo bastante positivo, mas que não deve ser replicado, ao menos não nesse momento.

Há tanto em New Dawn que poderia ter sido melhor explorado. Mecânicas de RPG, como o nível dos inimigos e de armas, foram muito bem-vindas, mas pouquíssimo exploradas. Faltou maturar essas mecânicas, tornando-as muito mais presentes no game. A sensação que fica é que New Dawn foi uma fase de experimentação de poucas novas ideias.

Há tantos caminhos para Far Cry seguir. A Ubi tem experimentado diversos temas, como a pré-história, religião, guerra do Vietnã, guerra contra monstros alienígenas e zumbis. Mas é preciso deixar a marca descansar e criar novos conceitos para serem adotados e trazidos aos jogadores, criando uma sensação de novidade muito maior do que apenas um déjà vu.

Texto de Francisco Camilo
Fonte: GameBlast
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