Crônicas da Velha Ribeira (57)

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Na função bancária de informante de cadastro, nos idos da década de 1960, tinha-se de usar paletó e gravata e essa regra – aplicada com rigor no Banco Nacional do Norte, onde eu trabalhava naquela época – me obrigava a enfrentar o forte calor no período mais quente do ano, devidamente enfatiotado. E era trajado dessa maneira que, diariamente, eu descia a esta Velha Ribeira porque era aqui que ficava a maioria das fontes que teria de consultar e conseguir elementos para compor o cadastro dos candidatos a empréstimos no banco.

Às vezes, eu vinha de ônibus. Às vezes, à pé, mesmo.

Mas, em 1964 comprei uma Lambretta usada, o que me deu um relativo conforto e muita agilidade no desempenho daquele trabalho.

Naqueles tempos, o saldo resultante da “compensação” de cheques entre os bancos, que era feita às três da tarde na agência do Banco do Brasil, na Ribeira, era creditado ou debitado no ato da troca, e não na devolução, como passou a ser feito posteriormente. Assim, se determinado banco ficasse devedor em decorrência de um débito maior que o saldo de sua conta no BB, a “cobertura” teria de ser feita no mesmo dia. E ocorreu que, certa tarde, nosso banco ficou “descoberto” e tive que me deslocar p´ra lá às pressas na minha Lambretta, com um bolo de dinheiro em cada bolso lateral do paletó. Na descida da Av. Junqueira Aires, à altura do casarão do Mestre Cascudo, vi um bêbado cambaleante começar a atravessar a rua nas imediações do Colégio Salesiano. Ainda tava longe e tinha espaço de sobra para desviar dele, mas p´ro sentido que eu pendia, o cabra ia também e o choque foi inevitável. Foi o bebão p´rum lado, eu p´ro outro e a Lambretta saiu desgovernada, esfregando-se no muro do Salesiano até parar.

Mesmo esparramado no chão de paralelepípedo, não sofrí nenhum ferimento e, quando me levantei, a primeira preocupação foi apalpar os bolsos do paletó e, ao ver que o dinheiro tava lá, fui socorrer o pinguço, que também tinha se levantado. Fortemente embriagado, me abraçou na maior alegria, dizendo que aquilo não foi nada e que tava tudo bem. Mas, num tava. Numa das coxas dele tinha um corte, que se via pelo rasgo na calça, com tecido gorduroso saindo da ferida. Nessa hora, passou um jipe de quatro portas da praça de taxi que tinha na Rua Princesa Isabel, cujo motorista eu conhecia e pedi-lhe p´ra levar o ferido ao hospital Miguel Couto – que era o pronto-socorro ao qual se recorria naquela época – e depois me procurar no banco, para acertarmos as contas… Mas o atropelado não queria ir, dizendo que tava tudo bem e deu um trabalho danado embarcá-lo no jipe.

A Lambretta, apesar de muito arranhada e com o para-lama dianteiro todo amassado, ainda funcionou e fui fazer o depósito no BB, depois do que voltei ao banco. No fim da tarde, apareceu o taxista, que me disse ter feito o recomendado.

Disse, ainda, que o sujeito levou vários pontos na coxa e que foi levá-lo em casa depois de medicado. Cobrou mil – do dinheiro da época – pelo serviço.

Paguei dobrado.

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