Crônicas da Velha Ribeira (61)

Rua Frei Miguelinho, na ribeira (Natal)

A METRALHADORA

Durante muitos anos funcionou na rua Frei Miguelinho, quase esquina com a Tavares de Lira, a Tipografia Santo Antônio – aqui já referida – dos sócios Dinarte Bezerra de Andrade e Raimundo da Hora em cujas dependências costumava haver uma reunião vespertina e diária, juntando vários amigos, para a agradável tarefa de “jogar conversa fora”. Um deles era Rômulo Leite, figura conhecidíssima por estas bandas, dotado de um humor ferino e cheio de brincadeiras, o que contrastava com sua figura aparentemente séria. Consta que, certa vez ele entrou numa sessão de cinema no extinto Rex, na Cidade Alta, com o filme em andamento e quando acostumou a vista à meia escuridão da sala, viu que ao seu lado dormitava – de boca aberta – “seu” Marinho, velho conhecido.

Pegou-lhe a mão e pousou-a sobre sua genitália, após o que sacudiu-o para acordá-lo e foi logo dizendo: “quéisso, Marinho? Depois de velho deu p´ra essas coisas?”

“Seu” marinho disse-lhe uns desaforos e saiu bufando.

Doutra feita, numa véspera de carnaval – que outrora movimentava bastante esta Velha Ribeira – topou com um cidadão na esquina do Carneirinho de Ouro. O home tinha um nariz enorme, avermelhado e bulboso, o que era motivo de piadas que o irritavam profundamente. Estava escorado num poste, com ar meio desanimado quando Rômulo acercou-se dele e disse: “fulano, eu queria lhe fazer um pedido, mas tô meio sem jeito”. “Pode fazer” – replicou o cidadão.

“Me empreste esse nariz, p´ra eu brincar o carnaval” – soltou, já se afastando, porque sabia qual seria a reação, que se pode imaginar ter sido…

Mas, a melhor dele, conforme registra o folclore, aconteceu quando, certa tarde, ele esperava pela patota do papo na tipografia, escorado na parede da mesma. Circulava pelo bairro um cidadão que era alvo de comentários sobre a infidelidade de sua cara metade. Não se sabe se o sujeito era tido como “corno” ou se era “traído” – porque, na minha opinião, há uma diferença entre os dois: para mim, “corno” é aquele que sabe…E continua. “Traído”, é o que não sabe e cai fora ao saber – O fato é que o cabra acercou-se dele e, desabotoando a camisa para que ficasse à mostra o cabo do revólver que trazia na cintura, perguntou-lhe, de forma agressiva: “é verdade que o senhor anda espalhando pela cidade inteira que minha mulher está me traindo?”

Diante de uma situação como aquela, qualquer pessoa ficaria nervosa.

Mas, Rômulo nem se alterou. Encarou o inquiridor e calmamente lhe disse que aquilo não era verdade e que ele não se prestaria a esse papel.

Mas – arriscando-se, talvez, a levar um tiro – acrescentou: “meu amigo, se você realmente pretende dar um tiro em quem anda ‘espalhando’ essa ‘notícia’, acho melhor em vez de um revolver, arranjar uma metralhadora”…

Reza a lenda que a camisa foi reabotoada.

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