Crônicas da Velha Ribeira (70)

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Em 1961, recém saído do serviço militar, arranjei um emprego de vendedor na firma Jessé Freire Agro Comercial Ltda., dona das lojas de eletrodomésticos Utilar, que tinha sede na av. Tavares de Lira – onde hoje está localizada a empresa Mar e Pesca – e filiais na própria Tavares de Lira, esquina com a Câmara Cascudo; na avenida Rio Branco e na rua João Pessoa, ambas na Cidade Alta, e também na rua movimentada rua Amaro Barreto, no Alecrim.

Em fins da década de cinquenta p´ra começo da de sessenta, a Utilar disputava o mercado de fogões, geladeiras, rádios, radiolas e que tais, com a Casa Régio, do empresário Reginaldo Teófilo, a Casa das Máquinas, de Luiz Cavalcanti – que ficavam na Cidade Alta- e mais J. Resende, O Bazar Doméstico, dos irmãos Araújo Freire e Habib Chalita, com lojas aqui na Velha Ribeira. Mas os pioneiros nesse ramo foram a SEPAN, de João Ferreira de Souza e Felizardo Moura, com as geladeiras Norge, Severino Alves Bila e Anísio Leite, com as Frigidaire e Sérgio Severo, com os rádios e radiolas Phillips.

Com pouco tempo de casa, fui transferido para trabalhos no escritório, sendo que um deles era fazer pagamentos em Bancos, serviço que executava a pé, porquanto todos os bancos então operantes aqui na Capital, tinham agências no velho bairro. Na nova atividade, passei a ter contato direto com seu Xavier de Miranda, principal diretor da empresa, Aderbal Soares Costa – diretor comercial – Simeão de Oliveira, chefe da contabilidade e Emil Tillinger, contador geral, de origem europeia, não sei se alemão ou austríaco, homem muito gordo, com imensa barriga, devidamente cevada com vários pães franceses quentinhos, recém saídos do forno da padaria onde mandava compra-los sempre no fim das tardes, comia a metade do pacote na loja mesmo e, provavelmente, o resto em casa durante o jantar. Seu Jessé, presidente da empresa, então já um político de expressão nacional – era presidente da Confederação Nacional do Comércio – dividia seu tempo entre Brasília e o Rio de Janeiro, mas quando vinha a Natal, ocupava um escritório nas dependências da matriz da Utilar, acho que uma das poucas salas de um empresário aqui nesta Velha Ribeira, onde tinha um aparelho de ar condicionado.

Ao contrário da sisudez e austeridade de seu Xavier e a constante vigilância de Aderbal, sempre cobrando produtividade dos empregados, seu Jessé era liberal. Tratava a todos com delicadeza e às vezes chamava um empregado de “colega”. De seu escritório com ar condicionado, comandava também o Banco Auxiliar, de sua propriedade e gerido por seu Guerra – a quem chamava de “Guerrinha” – e reza a lenda que quando procurado por um político ou cabo eleitoral querendo empréstimo no banco, mandava bilhetes para “Guerrinha”, nos quais colocava um código autorizando ou desautorizando o que estava escrito…Nos fins de tarde, saía do escritório e dizia a seu Xavier, de quem era genro: “vou ao Grande Hotel tomar um uísque Drury’s, com Humberto Pignataro”.

Quando comecei a fazer os pagamentos em bancos, no primeiro dia, sobrou dinheiro do pacote que levei. No segundo dia, a mesma coisa. No terceiro, quando voltei p´ra prestar contas com seu Emil, ao devolver a sobra, perguntei a ele se tava me testando. Deu um grunhido com seu vozeirão grave, que talvez significasse um meio sorriso e dali p’ra frente o dinheiro passou a não ter mais sobras…

No início de 1962, levei uma “cantada” do doutor José Maciel para ir trabalhar com ele na Musa, empresa de representações de sua propriedade. Mas, enquanto tava “mastigando” a proposta, Gélson Gurgel, que havia trabalhado comigo na Jessé Freire e tava no Banco Nacional do Norte, indicou meu nome ao gerente Cleunício Holanda e não contei conversa. Fui p´ra lá.

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