“Não se isole, divida sua dor”

A depressão é uma doença que afeta o emocional das pessoas, apresentando como sintomas frequentes a tristeza profunda, falta de apetite e de ânimo, pessimismo, baixa auto-estima, além de provocar grande oscilação de humor e a ausência de prazer em atividades corriqueiras. Conforme a Pesquisa Nacional de Saúde, realizada em 2013 pelo Ministério da Saúde e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são mais de onze milhões de brasileiros diagnosticados com depressão.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que mais de 300 milhões de pessoas no mundo sofrem da enfermidade denominada de Mal do Século, que tem como causa uma série de alterações químicas no cérebro, especialmente ligadas aos neurotransmissores serotonina ou noradrenalina – substâncias que transmitem impulsos nervosos.

Resultado de uma interação complexa de fatores biopsicossociais, a depressão é considerada uma doença democrática, visto que pode atingir pessoas de várias idades, sexos, níveis de educação, entre outras características. A professora Glória Medeiros, apesar de se considerar uma pessoa “para fora, extrovertida e relacional”, passou por sucessivas perdas e foi, gradativamente, perdendo prazer por atividades de que costumava gostar, como a leitura e o convívio com amigos. Ela conta que planejou todas as etapas da vida, trabalhando e estudando na juventude, para se dedicar inteiramente ao lar e ao filho, após o casamento. “Sei que pode soar estranho, nos dias de hoje, uma mulher querer ficar no lar porque parece que ela está sendo pressionada, mas não foi meu caso. Ter essa vida foi uma escolha minha, casei e queria logo ter filho”, conta.

Depois de experiências difíceis, a professora Glória Medeiros escreveu um livro com cartas confessionais, redigidas como lições de vida para o filho – Imagem: Cícero Oliveira e Anastácia Vaz

Conforme planejado, engravidou a primeira vez com três meses de casamento, e considera que foi um momento de muita alegria que, contudo, logo foi interrompido por um aborto espontâneo. “Foi como se eu tivesse descido de uma montanha russa, sem proteção alguma, porque com seis semanas perdi o bebê”. Em seguida, tentou engravidar mais duas vezes e as gestações não evoluíram, o que foi trazendo insegurança devido às comorbidades que poderiam ocorrer na gravidez relacionadas a sua idade, visto que ela tinha 42 anos.

Antes da quarta tentativa de gestação, passou ainda por outra perda, mas dessa vez foi o falecimento da irmã. Na opinião dela, essa sucessão de lutos a levou a uma tristeza profunda, que a fizeram ter sintomas comuns da depressão, como a vontade de se isolar, a dificuldade de sair de casa ou a ausência de satisfação em atividades rotineiras. Uma semana após a morte da irmã, descobriu que estava grávida do filho Joel, que hoje tem dois anos de idade. No entanto, ao receber a notícia, sentiu medo de sofrer outro aborto e não conseguiu ficar feliz, inclusive no momento pós-parto.

Para Glória, as principais ajudas para superar esses momentos difíceis foram desenvolver a fé e o apoio familiar. Já o conselho que ela deixa para quem está passando por uma tristeza profunda é “não se isole, divida sua dor”, enfatizando a importância de fazer o que se gosta que, no caso dela, foi a leitura e a escrita que resultaram na publicação do livro Cartas para Joel, lançado na cidade de São Paulo e programado para ser lançado em Natal. O material conta com cartas confessionais, redigidas como lições de vida para o filho.

Além da publicação, a experiência de Glória inspirou o marido, que é médico psiquiatra e professor do Departamento de Toco-Ginecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), José Medeiros do Nascimento Filho, a criar o projeto de extensão Coração Azul – cuidando da depressão puerperal e evitando seus malefícios no Rio Grande do Norte, com o objetivo de propiciar um movimento de divulgação da depressão puerperal entre profissionais e pacientes do Rio Grande do Norte e fomentar uma articulação entre a Rede Cegonha e a Rede de Atenção Psicossocial.

Professor José Medeiros do Nascimento Filho criou o projeto de extensão Coração Azul para cuidar da depressão puerperal – Vídeo: Cícero Oliveira

Coração Azul

A escolha do nome Coração Azul para a atividade de extensão se deu por remeter ao blues puerperal ou baby blues, ou seja, ao momento de tristeza e melancolia que pode ocorrer no puerpério. Segundo o psiquiatra, estudos científicos apontam que mais de 50% das mulheres apresentam mudança de humor no período gestacional, só que é uma oscilação branda, ligada à queda dos hormônios da gravidez, como estrogênio e progesterona.

“O que acontece é o seguinte: na gestação os hormônios se elevam e, depois do parto, eles caem.  Essa situação ainda carrega um estigma social porque todos esperam que a mãe vai estar super feliz com a chegada do bebê e, quando chega a criança, a mãe não reage. Como essa mulher vai ter coragem de falar sobre isso?”, analisa o médico.

Conforme o docente, hoje utiliza-se a expressão depressão periparto, pois sabe-se que muitas mães, por questões hormonais, ambientais ou genéticas, acabam tendo humor deprimido da gestação à pós-gestação [puerpério]. “A importância de tocar nesse tema é para que as mulheres possam se apropriar da terminologia, entender o problema e identificar isso nelas mesmas, e para que os profissionais de saúde possam, durante o pré-natal, abordar esse assunto”.

A doença pode passar por diversos espectros, começando com o blues puerperal, com uma sintomatologia mais branda, seguida da depressão estabelecida, chegando a quadros mais graves e desenvolvendo outros transtornos psiquiátricos, como casos de transtorno bipolar ou esquizofrenia. Segundo o professor Medeiros, especificamente no período pós-parto, a literatura médica aponta que entre 15% e 30% das mulheres apresentam variação de humor.

Os fatores de riscos psicossociais costumam ser o baixo apoio do pai da criança; mulheres que não possuem suporte familiar; vítimas de diversos tipos de violência, como a cometida pelo parceiro ou a obstétrica; mulheres que já possuem algum transtorno psiquiátrico; e mães com condições socioeconômicas de vulnerabilidade. O tratamento da depressão periparto deve ser feito com acompanhamento de profissionais da saúde, podendo envolver medicação ou psicoterapia ou ainda a associação desses dois métodos.

A ação teve início em 2019, realizou atividades na cidade potiguar de Jundiá e vem desenvolvendo trabalhos em parceria com João Câmara/RN. Os municípios que tiverem interesse em se integrar às ações podem entrar em contato pelo e-mail medeiros_ufrn2@yahoo.com.br.

Serviços da UFRN

A UFRN oferece apoio psicológico aos alunos e servidores docentes e técnico-administrativos, por meio do Serviço de Psicologia Aplicada (SEPA), da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PROAE), da Diretoria de Atenção à Saúde do Servidor (DAS), além de profissionais nos campi do interior, com a oferta de plantão psicológico e atendimento psiquiátrico. Para a comunidade externa, é possível efetuar agendamento de consultas no Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL) pelo telefone 3342-5045.

A instituição também realiza neste mês o Setembro Amarelo, campanha nacional de prevenção do suicídio. As atividades envolvem a comunidade interna e externa, em uma vasta programação que pode ser conferida aqui.

Estatísticas

Conforme a última Pesquisa Nacional de Saúde, realizada em 2013 pelo Ministério da Saúde e pelo IBGE, são mais de onze milhões de brasileiros diagnosticados com a depressão. A prevalência registrada é maior entre as mulheres (10,9%) do que nos homens (3,9%). Já a faixa etária com maior proporção foi a de 60 a 64 anos de idade (11,1%), enquanto o menor percentual foi obtido entre 18 a 29 anos de idade (3,9%). Observou-se, também, maior quantidade de pessoas acometidas nos extremos de nível de instrução, ou seja, pessoas com ensino superior completo (8,7%) e pessoas sem instrução e com ensino fundamental incompleto (8,6%). Segundo cor ou raça, havia uma maior proporção de pessoas brancas diagnosticadas com depressão, 9,0%, visto que para pessoas de cor parda a proporção foi de 6,7% e 5,4% entre as pretas.

Fonte: Ascom-Reitoria/UFRN

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