A caçada pela terra 2.0

O telescópio espacial TESS contribuirá com fotometria e auxiliará outras missões que devem utilizar uma técnica de análise chamada de espectroscopia de transmissão, com a qual é possível saber os tipos de componentes químicos que estão nas atmosferas desses planetas e checar se eles são parecidos com os da Terra.

De fato, a astronomia moderna vive um momento importante, no qual uma verdadeira caçada por exoplanetas – planetas que orbitam uma estrela que não seja o Sol – tem sido realizada por diversos centros de pesquisa espalhados pelo mundo, inclusive a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Liderado pelo professor José Dias, o grupo de pesquisa em Astrofísica do Departamento de Física Teórica e Experimental (DFTE/UFRN) está participando do processo de mapeamento e análise dos planetas que têm maior possibilidade de abrigar vida e que um dia, num futuro ainda distante, poderão receber uma colônia humana.

Telescópio Kepler – Reprodução

Na última década, a pesquisa com telescópios passou por um forte desenvolvimento e, com a contribuição dos cientistas baseados em Natal, chegou à marca de cinco mil novos planetas encontrados em nossa galáxia. Esse trabalho teve início com a missão do telescópio Kepler, seguido pelo telescópio TESS que, por meio das pesquisas do grupo da UFRN, encontrou o primeiro exoplaneta tipo Saturno no começo do ano.

Segundo o Professor Dias, as missões tiveram objetivos diferentes, mas complementares entre si. Em cada uma, os cientistas tentavam responder a diferentes perguntas. Iniciando com o Kepler, a busca era por alvos com luz fraca, isso não só ajudou a encontrar estrelas gêmeas, mas também novos planetas na Via Láctea.

Grupo da UFRN ganha notoriedade internacional

O grupo de pesquisa da UFRN, que possui reconhecimento na área, está em sua própria caçada por novos planetas.  A missão TESS será seguida de novos telescópios espaciais que entrarão em atividade nos próximos anos, entre eles o PLATO (Planetary Transits and Oscillation of Stars), desenvolvido pela Agência Espacial Europeia e que conta com a participação da equipe do DFTE.

Professor Dias acredita que os próximos anos serão de intenso desenvolvimento na exploração espacial – Imagem: Wallacy Medeiros

Os cientistas baseados no RN foram convidados a integrar o projeto graças aos resultados alcançados com as buscas de novos planetas com os telescópios COROT e Kepler. Eles participam de uma verdadeira corrida internacional para encontrar a Terra 2.0. Dessa forma, o Brasil tem a possibilidade de contribuir diretamente com uma das maiores descobertas de nosso tempo, sem um grande custo financeiro direto, utilizando apenas o trabalho direto dos seus cientistas.

“Nosso grupo tem tradição no estudo de estrelas gêmeas solares e especificamente na  girocronologia, que é uma técnica para determinar a idade das estrelas. Uma contribuição importante. Nós queremos descobrir um planeta com tempo suficiente para que a vida tenha se instalado”,  afirmou o Professor Dias.

O astrônomo potiguar ainda não vê a possibilidade de visitarmos esses planetas em poucos anos. As distâncias ainda são grandes demais para que uma missão possa ser mandada até eles, mas cita o salto de desenvolvimento tecnológico que a humanidade passou nos últimos séculos como uma porta de possibilidades para o futuro.

“Em 400 anos saímos de um questionamento: se a Terra era ou não centro do Universo, a passagem da teoria geocêntrica para a heliocêntrica, Giordano Bruno e Galileu em meio a esse tormento – que foi a composição dessa revolução -, até hoje, com a comprovação que nós temos da existência de mais de 5 mil planetas, alguns parecidos com o nosso. A Terra nada mais é do que um pequeno planeta em torno de uma pequena estrela amarela em um braço espiral da galáxia, como tantas outras estrelas”, disse José Dias.

Mas como saber se um planeta possui vida?

A missão Tess, lançada em 2018 por meio de uma parceria entre a NASA e a empresa SpaceX, trouxe uma pergunta diferente, ela buscava saber o quão comum é a existência de planetas e qual a composição de sua atmosfera. O telescópio espacial utiliza uma técnica de análise chamada de espectroscopia de transmissão, com a qual é possível saber os tipos de componentes químicos que estão nas atmosferas desses planetas e checar se eles são parecidos com os da Terra.

Modelo publicado na Nature demonstra existência de água em planeta fora do nosso sistema solar – Reprodução

“A espectroscopia de transmissão está na base de estudo dos exoplanetas. Quando o fóton passa na atmosfera, ele interage com diversos componentes. A atmosfera tem a sua química particular. Quando o fóton passa, acontecem mudanças nas oscilações, por exemplo, de alguns componentes. Vai dar exatamente os espectros vibracionais de algumas moléculas e isso nos diz quais elementos existem lá e em qual abundância. Então, por exemplo, se existir vapor de água em determinado planeta (como no caso do K2-18b) e esse planeta passa sistematicamente na frente da estrela, a gente pode fazer uma medida de qual é a variação de umidade em um determinado planeta”, explicou o pesquisador.

A zona de habitabilidade e o tempo de formação do planeta também são fatores importantes. Se, por um lado, um planeta muito próximo de sua estrela seria quente demais para abrigar vida, por outro, um que esteja muito distante estaria completamente congelado. Além disso, mesmo em uma posição semelhante a da Terra no sistema solar, o planeta precisa estar em um momento de sua formação em que as condições para a existência de vida estejam concluídas. É preciso que uma quantidade suficiente de oxigênio esteja na atmosfera, assim como que haja água na forma líquida, entre outros fatores que, em nosso mundo, levaram milênios para serem formados.

O K2-18b possui várias dessas características. Trata-se de uma superterra, com uma massa oito vezes maior que a da Terra. O anúncio dos resultados do estudo sobre o planeta trouxeram empolgação para a comunidade astrofísica, mas com cautela. Os dados apresentados precisam ser debatidos por outros cientistas e colocados à prova. No entanto, um resultado nesse sentido era algo aguardado pelos pesquisadores da área.

“Na verdade, o K2 18b já era um planeta que estava sendo observado por ser uma superterra. Isso quer dizer que é um planeta formado por parte rochosa e alguma parte tem água. Hoje a espectrospcopia tenta fazer uma melhor caracterização da atmosfera dos planetas. É uma detecção extremamente complicada”.

O Professor Dias acredita que os próximos anos serão de intenso desenvolvimento na exploração espacial. As missões que se sucederão poderão trazer luz sobre vários mistérios da nossa galáxia.

“Como o objetivo é responder às questões fundamentais para a humanidade: se existe vida em outros planetas; quão comum são os planetas parecidos com a Terra e; se, nesses planetas, é possível existir vida; as condições são tais que a vida poderia estar lá. Isso tudo é uma preparação para essa década que vem, que é a década da detecção ou não da vida fora da terra”, disse.

A UFRN e o Nobel de Física

José Dias ao lado do professor Michel Mayor em 2006- Foto: Arquivo

Há algum tempo, o professor José Dias colabora com o cientista Michel Mayor, da Universidade de Genebra (Unige), que acaba de figurar a lista dos laureados do prêmio Nobel de Física. “O meu primeiro artigo do mestrado foi com ele, sobre lítio, rotação e atividade das estrelas subgigantes, entre elas a 51 pegasi, que ele estuda”, disse Dias à radio França Internacional (RFI).

Para ele, o trabalho do professor Mayor abriu uma nova linha na Física, na qual o estudo das estrelas e sua composição se tornou a chave para descoberta de novos planetas, uma vez que suas atmosferas poderiam ser analisadas através de técnicas como a espectroscopia de transmissão. “Os exoplanetas e pequenos corpos estão envolvidos na composição do universo próximo. Esses pesquisadores (do Nobel) contribuíram para uma mudança desse olhar sobre o universo próximo, e isso é algo extremamente importante”, completou.

A reportagem sobre a relação de Dias e a UFRN com o Nobel de Física pode ser conferida Aqui.

Fonte: UFRN

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