Crônicas da Velha Ribeira (81)

Fiscais do Sarney

Em meados dos anos 1980, houve uma crise no abastecimento geral no Brasil e tinha fila p´ra comprar tudo o que era artigo de consumo, desde carne nas feiras, supermercados – bem como outros artigos de primeira necessidade – até mesmo automóveis, nem tanto enquadrados nessa categoria. A população foi incentivada a vigiar o comportamento dos fornecedores, nascendo assim, os “Fiscais do Sarney”.

Nos 45 anos de atividades como concessionária autorizada Volkswagen, aqui nesta Velha Ribeira, a Marpas conviveu com vários tipos de problemas: pequenos, médios e grandes, como é compreensível acontecer no dia-a- dia de uma revendedora de automóveis. Mas nós nunca sofremos tanto constrangimento quanto naquele período, quando o governo federal determinou que a venda de veículos automotores teria que obedecer, rigorosamente, a uma “fila” de pretendentes, inscritos por modelos e versões de suas preferências.

Além de severa fiscalização por parte da Sunab – órgão governamental designado para essa tarefa – tivemos que enfrentar a desconfiança de determinados clientes que considerávamos amigos e, por essa razão, pensarmos merecer credibilidade por parte deles. Mas eis que alguns nos constrangeram de variadas maneiras: teve um que, não entendendo o rigor que nos foi imposto, insistiu em comprar um carro sem ter feito a inscrição na “fila de espera” e, quando não pudemos atende-lo, publicou nota num jornal local descarregando sua raiva em cima de mim, classificando-me de “burro”.

Da mesma forma, exceto a diatribe no jornal, agiu uma senhora rica que pretendia adquirir um GOL, carro dos mais procurados. Ela, não se conformando com a obrigatoriedade de entrar na “fila”, subiu ao primeiro andar p´ra queixar-se à Diretoria e como não pode ser atendida, até hoje é intrigada comigo…Outro, com
quem eu tinha muita afinidade, exigiu ver o talão de Notas Fiscais, para certificar-se de que não teríamos vendido a um terceiro, o modelo de carro constante na sua inscrição. E só se convenceu depois que o talão lhe foi exibido e no qual examinou folha por folha.

Teve ainda outro, mais sofisticado, que mantinha um empregado de plantão na cidade de Parnamirim (RN), para seguir as carretas cegonha que chegavam de São Paulo. Quando o cabra via uma station wagon Parati, modelo pretendido pelo patrão, entre os veículos transportados pela carreta que entrava p´ra Natal, seguia a mesma até certificar-se que sua carga destinava-se à Marpas – porque aquela remessa poderia ser para a Seridó, também concessionária Volkswagenda – quando, então avisava ao seu patrão, que batia na firma, p´ra conferir se aquela era ou não a que tinha encomendado.

Em contrapartida a esse rigor fiscalizatório, alguns vendedores autônomos de carros, mandavam parentes e amigos inscreverem-se na lista de pretendentes e com esse expediente, legalmente compravam carros que eram revendidos com um agiozinho. E isso corria frouxo, porque não se tinha como provar a irregularidade. Certo dia, o delegado da Sunab fez uma inspeção na Marpas e entendeu – não obstante evidente falta de provas – que estávamos “escondendo carros”. Fui levado a depor na Polícia Federal e, à medida em que eu ia falando, o delegado que me interrogava foi se convencendo da veracidade das minhas informações e encerrou o depoimento.

O da Sunab, deu entrevista na TV nos acusando de esconder carros, mas no domingo seguinte publicamos em duas páginas de jornal nossas explicações aos clientes e à população, com provas documentais irrefutáveis. Certa vez, o General Ernesto Geisel queixou-se de políticos que ofendiam em público e desculpavam-se em particular. Pois foi o que aconteceu conosco. Porque, apurados os fatos, fomos chamados ao gabinete do delegado da Sunab, que nos deu uma carta certificando que não fizemos nada de errado…

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