Clube da Luta: 2 décadas do clássico de David Fincher

Há 20 anos, mais precisamente em 29 de outubro de 1999, chegava aos cinemas brasileiros Clube da Luta, do diretor David Fincher, baseado no livro de mesmo nome de Chuck Palahniuk. Se a princípio o título não chamou muita atenção, com o passar dos anos foi elevado ao patamar de cult, sendo considerado pela audiência uma das obras mais relevantes das últimas décadas. Mas o que faz Clube da Luta tão bom?

Em um olhar mais desatento, o filme pode parecer apenas mais uma crítica ao sistema capitalista e ao american way of life, da mesma forma que outros clássicos como Wallstreet, de Oliver Stone ou Beleza Americana de Sam Mendes que, ao seus próprios modos, retrataram bem a hipocrisia e superficialidade do sonho americano. No entanto, basta uma revisita mais atenta para percebermos o aspecto multifacetado de Clube da Luta. Ele de fato apresenta uma visão ácida da vida americana, mas também faz bem mais do que isso.

Uma das grandes qualidades da obra de Finch é retratar de forma magnífica a personalidade de seu protagonista sem nome. Em um primeiro momento, conhecemos o narrador, vivido por Edward Norton, como um homem sem esperança, preso em um círculo vicioso de tédio e consumismo, altamente reprimido por seu Superego, parte de nossa personalidade que, segundo Sigmund Freud, controla nossa regulação social e valores morais.

O problema é que ele tão reprimido que basicamente não possui um Id, aspecto que representa nossos instintos, que de tão sufocado, acaba se desprendendo da consciência do narrador e adquirindo uma própria, a de Tayler Durden, vivido por Brad Pitt. Essa personalidade se destaca de um modo tão violento que acaba afundando o narrador, bem como os demais personagens que compõem o tal clube que dá título ao filme, num turbilhão caótico de autodestruição. A própria desculpa usada por Tayler em fundar o clube mostra-se totalmente cínica, pois alegando querer desalienar aquele grupo de “homens brilhantes”, segundo suas próprias palavras, ele nada mais faz do que aliena-los, para seu próprio lado.

Toda essa dualidade de Id e Superego é representada até mesmo pelas cores da obra. Em um primeiro momento toda a paleta usada tende ao azul e as cores mais frias, remetendo ao tédio e a repressão do Superego. Isso muda abruptamente quando Tayler é introduzido, o que deixa a arte do filme mais avermelhada, remetendo a sentimentos de raiva e luxúria e principalmente, a atuação do Id, que toma o controle do narrador. Mas, talvez a cena que melhor represente tudo isso é a da volta do Ego ao controle.

O Ego é justamente o juiz desta disputa de personalidade. É ele que regula tanto Id quanto Superego para que nenhum dos dois se sobressaia e causem problemas a psique do indivíduo. Se durante a maior parte do filme o Ego parece estar de férias, ele volta justamente após uma experiência de quase morte, o que é representado por um plano belíssimo onde o narrador se encontra entre duas portas, uma com uma cor azulada, representando o Superego, outra de cor alaranjada, representando o Id, logo ele encontrou o equilíbrio. O problema é que o Tayler não parece disposto a desaparecer tão fácil.

É claro que esta é apenas uma das muitas camadas existente na obra que, justamente por isso, é tão incrível. Crítica ao consumismo, a glamourização da violência, uma propaganda anarquista ou mesmo anti-anarquista, o vazio existencial da modernidade, tudo isso pode ser facilmente identificado nas 2h31min do filme. Tanto é assim que, mesmo quebrando as duas primeiras regras, é impossível não falar de Clube da Luta.

Fonte: O Barquinho Cultural

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