Crônicas da Velha ribeira (01)

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A cabeça do pinguço, dono da pequena OFICINA DE REPAROS GERAIS p´ros lados da rua Chile, andava meio confusa. Tinha razoável clientela, mas só conseguia o “ponto de equilíbrio” depois da primeira “chamada”, frequentemente bebida ainda muito cedo e, às vezes, à guisa de café-da-manhã, quando, nas noites em que chegava em casa após as doze badaladas, a cara-metade o castigava, negando- lhe o desjejum do dia seguinte. Nada disso, porém, influía no seu trabalho de profissional competente e sua freguesia – a maior parte formada por antigos usuários, tornados amigos ao longo do tempo – era-lhe sempre totalmente solidária, até porque alguns deles eram companheiros de copo e de noitadas pelos bares e cabarés da velha Ribeira.

E era voz corrente que ele trabalhava muito melhor, quando “calibrado” por duas ou três “meiotas”…Os companheiros, de repente, passaram a notar, nele, um ar de mistério, de desinteresse, um verdadeiro alheamento. Tanto o futucaram, que, certo dia, resolveu abrir-se com um dos mais chegados:- Compadre, ando muito preocupado…

– O quéquiá, compadre?

– Ando vendo umas coisas esquisitas, compadre.

– Tipo o que, compadre? Anda vendo alma?

– Não, compadre. Duns dias p´ra cá, tenho visto umas lagartixas

coloridas…É lagartixa branca, amarela, marrom. Até preta já ví uma, compadre.

Escondido de todo mundo – inclusive da véia – arrumei ficha no INSS e o doutor

disse que num tenho nada, mas parasse de beber…E agora, compadre?

Será que tô com o tal de “deliri instremi”? Perguntou aflito, amparando-se na

solidariedade do velho companheiro e amigo e corruptelando a expressão latina

Delirium Tremens, ponto final na carreira de qualquer boêmio.

O compadre, muito preocupado com aquela revelação, não dormiu naquela noite. Mas, por coincidência, na manhã seguinte, precisando dar uma pintura nova no seu velho fogão, procurou a recém instalada oficina de pintura, vizinho ao compadre objeto de sua preocupação e, ao chegar lá para conversar com o pintor, este testava a pistola de tinta, prestes a iniciar um trabalho. Em meio aos experimentos – tendo como alvo a imunda parede de tijolos aparentes, já “colorida” por testes anteriores – surgiu uma assustada lagartixa, muro acima. O rosto do pintor abriu-se num largo sorriso quando ele borrifou o inocente geconídeo com um jato vermelho-brilhante, antes de dar por encerrada a dosagem da tinta…

O compadre correu p´ra vizinha oficina do amigo, bem ao tempo em que a agoniada e recém-pintada lagartixa – vinda do outro lado – descia a meia-parede, fugindo da sanha do pintor e ao entrar, escutou o grito:

– Chega, compadre! Agora mesmo tá passando aqui uma das coloridas.

– Veja, com seus próprios olhos!

Naquela noite, estrondosa farra num dos cabarés da Ribeira comemorou o

“restabelecimento” do compadre mecânico, totalmente “curado” daquela

misteriosa doença, que médico nenhum soube disgnosticar…

No dia seguinte – claro – não lhe foi servido o café da manhã…

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