Crônicas da Velha ribeira (03)

Não me perguntem como era o nome dele, que num sei. E aposto que os que o conheceram e que, com ele conviveram na velha Ribeira e alhures, também não sabiam. Afinal, quem sabe o verdadeiro nome do garçom “Gasolina”, do inesquecível bar “Dia e Noite”? O de “Cheiroso”, decano dos garçons dos velhos tempos do América Futebol Clube? O de “Jabuti” mecânico antigo, doutor em carburadores, instalado na divisa Rocas/Ribeira? E o de “Jacaré engomado”, fabricante de redes e frequentador das rodas de papo na Cidade Alta e Ribeira?

“CANCÃO” era motorista do engenheiro e empresário, doutor Roberto Freire. Segundo reza a lenda, fazia tudo o que o patrão mandasse, sem hesitar e nem perguntar por que. Tipo meio baixote, com enorme barriga e luzidia careca, nos tempos de seu “reinado” era, também, grande bebedor de cachaça.

E, nos estatutos da confraria dos pinguços, tem lugar especial e de honra aquele que – comprovadamente – bebe, ou já bebeu sozinho uma garrafa da “branquinha” duma sentada só.

Pois o competente motorista e pau-p´ra-toda-obra “Cancão” tirou Ph.D nesse mister, em determinada noite dos anos cinquenta e à vista de insuspeitas testemunhas.

Durante o governo Dinarte Mariz, foi diretor do DER o engenheiro José Nilson de Sá, dono da EIT – Empresa Industrial Técnica, maior construtora do nosso Estado, cujo ritmo de trabalho naquela repartição não tinha hora p´ra começar, nem p´ra terminar.

Naquele dia – como em muitos outros no decorrer de sua administração – a jornada entrara pela noite e já passava das vinte horas quando ele e alguns da sua equipe saíram p´ra jantar na “Peixada da Comadre”, famoso restaurante localizado nas Rocas, bairro vizinho à “Velha Ribeira”, preferido pelo cantor e compositor Ataúlfo Alves, quando vinha a Natal.

Quando instalou-se, com seu grupo, Zé Nilson viu em outra mesa, o motorista “Cancão”, que acabara de chegar e notou que o garçom abria a tampinha duma garrafa de aguardente, cuja primeira dose serviu-lhe antes do caldo encomendado como “entrada” e, em seguida, juntamente com os companheiros, observou o barrigudo consumir, em goles moderados, quase todo o conteúdo da garrafa, enquanto “traçava” a posta de peixe que lhe foi servida como prato principal.

O último gole – o do fundo do vasilhame – foi sorvido juntamente com o segundo caldo de peixe pedido, para finalizar o jantar…

Quando “Cancão” pediu a conta, Zé Nilson chamou o garçom e disse-lhe:  – “Essa conta é minha! Faço questão de paga-la, porque foi a primeira vez em toda a minha vida, que testemunhei um sujeito beber uma garrafa de cana sozinho, duma tacada só e sem fazer careta”.

E assim foi feito!

Ao ver-se livre da despesa, “Cancão” levantou-se aprumado, ereto e firme, sem dar sinais de que havia ingerido 750 ml de cachaça pura, ajeitou a calça em torno da enorme pança, fez uma mesura de agradecimento em direção a Zé Nilson e saiu pela noite, quem sabe, p´ra se desincumbir de mais uma missão na “Velha Ribeira”, determinada pelo doutor Roberto Freire…

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