O Pós ‘Guerra Pandêmica’ Contra O Coronavírus | Parte 4 de 4

O Pós ‘Guerra Pandêmica’ Contra O Coronavíirus - Por João Carlos Nagy/ Foto: Arquivo Pessoal

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Todos nós temos uma história passada. Conhecendo-a ou não, ela nos forjou e nos trouxe até aqui. Mas daqui para a frente, se tivermos consciência de que o futuro está se rearrumando, podemos escrever uma nova história. E essa história, sim, será a nossa.

Podemos escrever uma nova história, só nossa, que não apenas mude nossos próprios rumos, mas também inspire aqueles que virão depois de nós.

Das lições de meus ascendentes que enfrentaram a Gripe Espanhola e a Primeira Grande Guerra Mundial, pude identificar comportamentos que fazem parte da minha vida hoje e até já influenciam meus descendentes. Essa consciência me ajuda a ver em perspectiva a pandemia que estamos vivendo. Eles passaram pelo caos, incluindo a morte de alguns, mas as famílias e empresas sobreviveram. E eu? Vou sobreviver? Minha empresa e minha família vão continuar? Se eu tiver neles uma fonte de inspiração, com certeza, sim.

A partir de agora e nas próximas semanas, vamos ouvir muitos conselhos e informações genéricos sobre como manter as empresas, crescer na crise, aproveitar oportunidades, dicas de marketing, a importância da internet para os negócios, subsídios, cortes de impostos e incentivos governamentais, ajuda humanitária de instituições e quem sabe o que mais. Alguns oportunistas, inclusive.

No entanto, preferi olhar para minha história – semelhante à de muitos outros brasileiros – e descobrir nelas como meus ascendentes enfrentaram tempos e situações tão difíceis. De duas dessas histórias, consegui enumerar algumas lições que eles me ensinaram pelo exemplo.

1.            Muitas vezes temos que tomar decisões sozinhos.

Por mais que tenhamos amigos e família e eles sejam nosso apoio e motivação, algumas decisões são solitárias. Meu bisavô húngaro talvez tenha saído solteiro da Hungria, mas veio para o Brasil depois de constituir família e experimentar viver alguns anos na Croácia.

2.           A economia em queda vale para todos.

Minha bisavó Anna Treiss preferiu deixar algumas dívidas “para o remédio”. De que adiantaria insistir na cobrança? Com certeza, alguns devedores do meu bisavô agiram de má-fé para não honrar suas dívidas, mas, convenhamos, como saber? Todo mundo estava em situação difícil.

3.           Temos que continuar a trabalhar. Todos.

Se, em certos momentos, podemos nos dar ao luxo de um trabalhar e o outro se dedicar aos estudos ou a outra atividade não remunerada, em momentos de crise econômica isso pode ser inviável. Quando meu bisavô Jacó morreu, todos os filhos foram colocados no trabalho pela minha bisavó. Na casa, no comércio, nas terras… ninguém ficou sem o que fazer.

4.           Mantenha as contas e registros organizados.

Se isso vale para os dias normais, vale muito mais para tempos anômalos. Não fossem os registros mantidos pelo meu bisavô, minha bisavó teria perdido muito mais do que perdeu ao sair para cobrar os empréstimos e contas penduradas.

5.           Valorize os seus recursos atuais.

Imagino, se eu pudesse convidar para um almoço de negócios, meu bisavô húngaro e minha bisavó Anna  Treiss ao mesmo tempo, o que me diriam. Creio que ela diria para olhar ao redor, fazer um levantamento dos recursos à disposição (filhos, comércio, gado, terras…),e decidir o que fazer com cada um visando resolver os problemas imediatos (comida na mesa e gente para cuidar dos recursos ainda disponíveis) sem sacrificar o futuro vendendo o que tinham a preço de nada para consumo imediato.

6.           Esqueça o que foi perdido.

Nesse mesmo almoço, meu bisavô, com certeza, diria para olhar para a frente e esquecer o que ficou para trás. Ele vislumbrou uma esperança de tempos melhores quando ouviu falar de um país do outro lado do mundo chamado Brasil que oferecia terras e condições para viver em paz. Ele devia estar cansado de correr atrás de um bom lugar para viver, de enfrentar conflitos que não eram dele, de perder tudo o que conseguia para soldados de passagem. A esperança ainda estava viva e ele decidiu deixar sua terra, sua família, seus amigos em busca de algo melhor. Deixou para trás o peso de uma realidade dura e veio leve para uma nova vida.

7.           Tudo passa.

Uma das lições mais preciosas dessas histórias. As dificuldades de hoje poderão ser motivo de orgulho amanhã; poderão ser a base da prosperidade. Nossas famílias sobreviveram e ostentam com orgulho algumas cicatrizes. O importante é não baixar a cabeça e se deixar morrer, mas olhar para a frente e imaginar um futuro colorido além do cinza da fumaça das armas da guerra.

8.           Preserve sua identidade e seu propósito.

Tanto minha família alemã quanto minha família húngaro-croata mantiveram por décadas suas línguas, suas comidas, sua religião e muitos de seus costumes. Enquanto se adaptavam a um novo mundo, se protegiam naquilo que tinham de mais seu: sua identidade. Mas entendiam que viviam em novo mundo e uma nova realidade. Inimigos na Europa, eram vizinhos e aliados no Brasil; donos de suas propriedades em seus países de origem, eram meros trabalhadores rurais nessas novas terras; ou, ao contrário, pobres e sem posses lá, eram donos de terras doadas pelo governo brasileiro e se sentiam dignos e merecedores dessa oportunidade. Mas todos tinham um único propósito: viver melhor e progredir. Nenhum, absolutamente nenhum emigrante por vontade própria, seja de que país tenha vindo, veio para o Brasil para viver numa rede à beira-mar na sombra de coqueiros. Veio para lutar sem descanso por uma nova vida.

Como consultor conheço muitos trabalhadores, empreendedores e empresários que deixaram sua terra natal em busca de oportunidades em outros lugares do Brasil. Não são nada diferentes daqueles que que vieram de outros países.

9.           Qual é o propósito da sua empresa?

Manter sua família? Retribuir conquistas? Ajudar uma comunidade? Enriquecer seus donos? Ocupar seu tempo? Ostentar?

Não importa. Em absoluto. O que importa é saber qual é esse propósito. Sem deixar claro para si mesma, para seus colaboradores, clientes, fornecedores, concorrentes, órgãos fiscalizadores, associações a que pertença ou ao país e região em que está instalada uma empresa nada mais é que… nada.

Sem um propósito claro, uma empresa é um barco à deriva ou uma folha ao vento. Não está ancorada nem tem raízes. Simplesmente abriu suas portas para fechar pouco tempo depois. São efêmeras. Não têm um motivo para existir.

Temos várias empresas na família, como a primeira transportadora de Arapongas no Paraná, criada pelo meu avô croata, Luiz Nagy ou a Ótica e Relojoaria Universal criada pelo meu tio Irineu Trierweiler em Blumenau, Santa Catarina. Conheci suas histórias, dariam livros inteiros, e garanto: não foram obras do acaso. Nasceram de propósitos bem claros. Isso me inspirou a abrir minha agência de propaganda em 1991 e me ajuda hoje como consultor a ajudar outras empresas.

10.          Registre sua história, conte o que você viveu.

Se tenho uma fonte de inspiração, foi porque reuni informações sobre minha história. Mas quantas empresas se preocupam de fato com isso? Seria bom que soubessem que isso ajuda a vender mais, ajuda a conquistar fornecedores e até melhora a “reciprocidade” no banco na hora de solicitar um empréstimo…

Em tempos de criação de conteúdo, de story telling e de redes sociais, a história da empresa sempre é uma fonte de temas para explorar e ter sobre o que escrever.

Aliás, bons temas nascem até no cemitério. Eu só sei com que idade meu bisavô Jacó morreu porque minha mãe teve a curiosidade de olhar a lápide dele e registrar os anos de nascimento e morte. Isso não estava escrito em nenhum outro lugar.

Perguntinha de consultor: onde você está buscando fontes de conteúdo? Aliás, você está criando algum conteúdo?

11.           A cidade, o estado, a região e o país são uma coisa só: se um sofre, todos sofrem.

Quando um militante sérvio assassinou um príncipe austro-húngaro na Bósnia em 1914, não foram dois países que resolveram brigar: toda a Europa se envolveu, países formaram e desfizeram alianças, mas ninguém ficou de fora. A Primeira Grande Guerra Mundial se instalou e a família do meu bisavô acabou sendo vítima sem ter nem o que comer.

No Brasil dos tempos do Corona Vírus, não é diferente. Seja porque não estamos isolados do mundo – é uma guerra mundial, seja porque todas as cidades de todos os estados de todas as regiões podem ser – mais ou menos, antes ou depois, cedo ou tarde, contagiadas. Essa é a hora de se mostrar patriota, de lutar pelo país e não por ideologias, pensamentos religiosos ou teorias próprias. Criticar por criticar porque o emissor da opinião é de outro partido, cor, ideologia, religião, das finanças, do RH, do marketing ou de qualquer vertente que se eleja, leva a lugar nenhum, leva ao caos. Você prefere o caos ou a ordem?

12.          Pode ser necessário abandonar um setor ou uma região e enfrentar o desconhecido.

Os alemães de provável origem romana Trierweiler, a família da minha mãe, eram ferreiros. Quando vieram para o Brasil em meados do Século XIX, tiveram que se adaptar. Continuaram a produzir ferramentas e ferraduras, mas também se dedicaram à agricultura e à criação de animais.

O que vai ser das nossas empresas de agora em diante? Estamos numa incógnita de quanto vai ser profunda essa recessão, talvez depressão, econômica. Pode ser que muitas famílias que têm vários empreendedores se juntem em torno de um negócio um pouco mais rentável; outros talvez voltem para suas regiões de origem onde tenham apoio; outros mais, quem sabe, identifiquem novas oportunidades e se lancem em uma nova empreitada.

Pode tudo, só não pode falta de ética e abaixar a cabeça.

Que venham os novos tempos e nos encontrem de cabeça erguida. Podemos deixar alguma coisa para o remédio ou comer algum capim, mas isso vai passar.

Por João Carlos Nagy – Sócio Diretor da Capelo & Nagy – Comunicação e Marketing

Crédito da Foto: Arquivo Pessoal

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