A Odisséia à Brasileira – Por Rodrigo Cavalcanti

A Odisséia à Brasileira - Foto: Reprodução

Nem a Pandemia foi capaz de arrefecer a crise política pela qual passa o País. Aliás, ela passou a ser até integrante e usada como combustível para tal finalidade.

Dentro desse fluxo da crise política emerge atualmente a discussão acerca da Decisão do STF, prolatada pelo Ministro Celso de Melo, de que a Advocacia Geral da União deveria disponibilizar ao Ministério Público Federal e à defesa do ex-Ministro da Justiça vídeo de uma reunião ocorrida entre o Presidente da República e seus Ministros, na qual,  aquele teria praticado Crime de Responsabilidade por ato de interferência no Poder Judiciário ao ter expressado na referida reunião que o seu intuito de substituir a Direção da Polícia Federal no Rio de janeiro seria para ajudar seus filhos em investigações lá em andamento.

Em que pese entendimento pessoal de que seria inconstitucional a determinação de apresentação de gravação ambiental de reunião de cunho Ministerial, seja por resguardo à Segurança Nacional ou mesmo pela inexistência prévia de ordem judicial para tal fim, o certo é que o próprio Presidente jamais negou que de fato tinha interesse em nomear pessoa de sua confiança para o cargo referido, tanto que o fez, sendo objeto de outra decisão judicial posterior.

Ademais, outro fato que ficou latente dentro da atuação política do Presidente da República é sua proximidade não só familiar com seus filhos, mas de atuação desses com a vida pública e política do Governo Federal, mostrando certa confusão entre poder público e relação familiar que pode, por vezes, ensejar decisões que possuem consequências de interesse público mas que contenham causa ou pelo menos influência de contexto familiar, como nomear um Diretor da Polícia Federal ao qual tenha amizade e que investiga um filho seu por cometimento de crimes, o que, frise-se, não quer dizer por si só que o Presidente fosse ou que de fato interferiu em algo nesse sentido, mas que mostra ao menos no âmbito da moralidade certo conflito, já que no âmbito da legalidade a nomeação lhe caberia por critério discricionário.

Como o título deste texto sugere, existem certas coincidências entre o contexto brasileiro atual e a história contada por Homero, quando dentro da política grega exsurge a motivação para a famosa Guerra de Troia, na qual, Páris, filho de Príamo e irmão de Heitor, abusando da hospitalidade de Agamenon e Menelau, foge com a esposa desse, Helena, causando a Guerra entre gregos e troianos, não por questões de interesse público, mas claramente num contexto de conflito pessoal formado entre Páris e Menelau, mas cujo pai e Basileus (soberano) de Troia, Príamo, resolveu defender seu filho, mesmo que as leis e a tradição vigente indicassem o caminho político para a solução pacífica que era a devolução de Helena e o acordo com Menelau.

Neste caso, o maior problema para a administração política de Troia foi o fato de que Páris era filho de Príamo e irmão de Heitor. Segundo Richard Posner [1] em “A economia da Justiça”, “a lealdade à família prevaleceu sobre o dever público, mesmo que o familiar ao qual se deve lealdade não a mereça. Como acontece com Agamenon e Criseide, o conflito entre Príamo e Heitor é grave, pois eles têm interesses familiares em uma questão de cunho público. O fato de condenarem todo o Estado por causa de Páris demonstra a ausência de uma liderança responsável no sentido moderno”, provocando a destruição do Estado Troiano.

Dessa forma, o que se tem é que o Presidente da República, para que o Brasil não termine como o Estado Troiano, deve deixar suas instituições independentes de qualquer influência, especialmente de cunho familiar, mesmo que isso possa em algum âmbito familiar parecer deslealdade, assim como o povo ao perceber que o Presidente está sobrepondo a importância do bem público ao interesse pessoal e familiar, passe a unir forças no combate ao verdadeiro inimigo que é a Pandemia e a crise econômica que surge, pois ao contrário do que sugere a conclusão da Odisséia de Homero, a solução não vem dos Deuses, mas das decisões políticas e do Direito.

Ademais, Posner ainda assevera que “patriotismo, lealdade, apreço pela coisa pública e fidelidade no cumprimento de promessas são exemplos que ilustram o espírito altruísta”. Ou seja, a capacidade de se por no lugar do outro, como afirmou Adam Smith [2] “é o fundamento da ética, isto é, da preocupação e do senso de dever para com os outros. Um indivíduo só se importará com o que acontece às outras pessoas se for capaz de penetrar imaginativamente nos pensamentos e sentimentos dela.

Só agindo desta maneira, com decisões políticas que tenham por causa o interesse público por mais que atinja interesses pessoais e com um povo altruísta é que poderemos conseguir um desfecho feliz para nossa Odisséia.

1 – POSNER, Richard. A economia da Justiça. Ed. Martins Fontes. São Paulo, 2019.

2 – SMITH, Adam.. A teoria dos Sentimentos Morais, São Paulo, Martins Fontes, 1999.

Rodrigo Cavalcanti – Professor de Processo Penal e Advogado Criminalista

Crédito da Foto: Reprodução

 

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