O gerúndio e o gerundismo – Por João Maria de Lima

O gerúndio e o gerundismo nas Centrais de Atendimento - Foto: Flickr

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As formas nominais do verbo são o gerúndio, infinitivo e particípio. Elas não apresentam flexão de tempo e modo, perdendo, dessa maneira, algumas das características principais dos verbos. Por serem tomados como nomes (substantivos, adjetivos e advérbios), são conhecidos como formas nominais.

O gerúndio, que indica o estado de uma ação prolongada, que ainda está em curso, transmitindo assim uma noção de continuidade de ação verbal, não é proibido na linguagem escrita e aparece corretamente empregado em muitas circunstâncias. No entanto, é importante atentar a uns casos: a oração reduzida de gerúndio exige a posposição do sujeito (Baixando os juros, haverá mais compras a prazo. Jamais escreva: Os juros baixando…); o gerúndio repele o “embora” (não escreva: Embora sendo, embora saindo, embora trabalhando; mas Embora seja, embora saia, embora trabalhe).

Outra ocorrência importante diz respeito ao gerúndio progressivo. Nesses casos, o gerúndio constrói orações com valor de advérbio que exprimem modo (saiu cantando), tempo (chegando o presidente, os ministros se levantaram), condição (mandando-me ficar, obedeço), causa (chegando cedo, pôde analisar todos os processos).

Quando a ideia é de adjetivo, só tem vez o gerúndio progressivo: “Vi o professor ensinando aos alunos na sala” (isto é: Vi o professor, que ensinava aos alunos na sala). A índole da língua rejeita o emprego do gerúndio não progressivo em oração adjetiva: “Recebi uma caixa contendo dois livros”. Aí não há noção de progressão (que estava contendo). Corrigindo: “Recebi uma caixa com dois livros” ou “Recebi uma caixa que continha dois livros”.

Agora se você é adepto do “Vou estar mandando”, “Vou estar providenciando”, “Vou estar podendo fazer”, cuidado. Esse é um vício chamado gerundismo, que não tem perdão. Tudo indica que essa construção abusiva com gerúndio – que não é própria do português – tenha sido importada do idioma de Shakespeare. No Brasil, não há centro de atendimento ao cliente ou serviço telefônico imune ao vírus do gerundismo.

Nesses casos, pode-se até explicar o fato como resultado de uma tradução apressada ou literal de frases dos manuais em inglês, como na frase “We will be sending you the catalog soon” (Nós estaremos lhe enviando o catálogo em breve). Você já deve ter lido ou ouvido frases como “Nossos atendentes vão estar falando com você em alguns minutos”; “Vou estar agendando a visita de um técnico para amanhã”; “O técnico poderia estar indo sexta-feira? ”

Vale lembrar que a recuperação dessas frases se faz de maneira muito fácil, bastando usar uma simples forma verbal no futuro ou uma locução com infinitivo. Assim: “Nossos atendentes falarão com você em alguns minutos”; “Agendarei (ou vou agendar) a visita de um técnico para amanhã”; “O técnico poderia ir na sexta-feira? ”

Essas expressões transmitem a ideia de descompromisso por parte de quem a usa, principalmente se estiver no contexto da administração pública. Talvez, por isso, o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, logo que assumiu o cargo do qual seria derrubado por corrupção, baixou decreto que demitiu o gerúndio: “1º) Fica demitido o gerúndio de todos os órgãos do Distrito Federal; 2º) Fica proibido, a partir desta data, o uso do gerúndio como desculpa para ineficiência; e 3º) Revogam-se as disposições em contrário”.

Evidentemente, o espaço aqui não permite discorrer pelo tema com muita profundidade, nem é essa a nossa intenção. A ideia é falar sobre tópicos da língua portuguesa que suscitam dúvidas e que nem sempre estão às claras nos livros que se dedicam ao ensino do idioma de Camões, considerando sempre que “O Senhor cortará todos os lábios lisonjeiros e a língua que fala soberbamente” (Sl 12,3).

*Texto publicado originalmente na Tribuna do Norte em 21 de junho de 2020.

João Maria de Lima é mestre em Letras e professor de língua portuguesa e redação há mais de 20 anos.

profjoaom@gmail.com

Crédito da Foto: Flickr

 

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