“Testar para” e outras pandemias da língua – Por João Maria de Lima

“Testar para” e outras pandemias da língua - Foto: Reuters/Ueslei Marcelino

O verbo é tão essencial nas comunicações, que, muitas vezes, diz tudo. Quando se diz “Chove”, a informação está completa. Em regra, ele é elemento centralizador do sentido da frase. Portanto, é fundamental que os comunicadores – e todos somos – exerçam total domínio sobre importante peça das comunicações.

Na prática, verifica-se o contrário: os verbos são maltratados e pisoteados. As inadequações linguísticas são as mais variadas, atingindo a conjugação, a concordância e a regência, conforme ilustram os casos a seguir.

“Testou positivo para coronavírus”. A COVID-19 trouxe a proliferação de uma regência inadequada do verbo “testar”. Muita gente tem sido duplamente contaminada dessa forma. Só quem “testa para” é o jogador de futebol, que testa a bola para o gol, por exemplo. Melhor é dizer que o (resultado do) teste do coronavírus deu positivo.

“A quarentena não vai se acabar tão cedo”. Pelo visto, as infrações linguísticas também vão continuar, principalmente as que resultam da falta de atenção aos verbos reflexivos.Acabar-se” é acabar consigo. Todos sabem que a quarentena não fará isso. Para acabar com a inadequação, procede-se assim: A quarentena não vai acabar tão cedo.

Semelhante situação ocorre em “O prazo se expirou à meia-noite”. O prazo não exerce ação alguma sobre si mesmo, não podendo, portanto, “expirar-se”, mas, apenas, “expirar”. Assim: O prazo expirou à meia-noite.

 “Sequestro acaba com três mortos e nove feridos.” Esta manchete é exemplo do descuido a que é submetida a regência verbal. É impossível imaginar o que significa “acabar com três mortos”. “Acabar com nove feridos” provavelmente signifique execução e morte. Na verdade, a notícia queria informar que o sequestro teve como resultado três mortos e nove feridos.

“O Ministro comentou sobre o fato.” Cuidado para não comentar de forma errada. Comenta-se algum fato, e não “sobre” algum fato. Sem mais comentários: O Ministro comentou o fato.

“Se eu fosse você, eu voltava pra mim de novo.” Sem querer tirar o brilho do verso musical e mudando da função poética para a referencial, é imperioso lembrar que “voltava” é pretérito imperfeito, isto é, indica passado. Se voltava, por que não volta mais?  O apelo poderá surtir efeito desejado, se houver a correção: Se eu fosse você, voltaria para mim de novo.

“Consultei-me com um psicanalista.” De consulta em consulta, quem fala assim voltará ao professor. Este lhe dirá: “Você terá que escolher entre consultar a si próprio e consultar um psicanalista”. Basta dizer: Consultei um psicanalista.

“Todas querem o chefe.” Se todas desejam o chefe, ou seja, estão apaixonadas por ele, a frase está correta, e o problema é do chefe, bem como a escolha. Agora, se a ideia é informar que todas têm estima por ele, a frase está inadequada. Corrigindo: Todas querem ao chefe.

“A seleção perdeu da Alemanha.” Para que o nosso castigado português não continue perdendo também, acerte-se o sentido da frase: A seleção perdeu para a Alemanha. Quem perde o faz para” alguém, e não “de” alguém.

 “Qual é o vinho que você mais gosta?” Cuidado com a embriaguez. Quem gosta de português deve perguntar, neste caso, usando a preposição “de”: Qual é o vinho de que você mais gosta?

“Deus lhe abençoe.” Certamente, ele abençoará se usarmos uma forma melhor: Deus o abençoe, Deus a abençoe.

E, assim, “o verbo se fez carne e habitou entre nós”.

João Maria de Lima é mestre em Letras e professor de língua portuguesa e redação há mais de 20 anos.

profjoaom@gmail.com

Crédito da Foto: Reuters/Ueslei Marcelino

 

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