Ditos da língua – Por João Maria de Lima

Ditos da língua - Foto: Getty Images

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São comuns à maioria das línguas expressões com significado próprio que fazem sentido dentro de um contexto, por vezes, muito diferente da literalidade. A língua portuguesa, por exemplo, é cheia de ditos populares que, em alguns casos, são usados sem se ter ideia da origem ou da acepção, até porque muitos sofreram alterações com o passar do tempo, casos em que a oralidade e a sabedoria popular mostraram sua força e prevaleceram.

A expressão “Cor de burro quando foge”, atualmente utilizada para indicar uma cor indefinida, é derivada de “Corro de burro quando foge”, que designa o comportamento agressivo do animal, na iminência de atingir com um coice alguém próximo. Esse é um caso em que houve mudança na forma e no sentido.

Exemplo semelhante ocorreu em “Quem tem boca vai a Roma”, que significa “Quem sabe se comunicar vai a qualquer lugar”. Originalmente, o provérbio era “Quem tem boca vaia Roma”, com o verbo vaiar, em vez de ir. Isso porque a plebe e os escravos acreditavam que a cidade de Roma merecia vaias por causa de seu imperador, Júlio Cesar, cuja opinião ninguém podia contrariar.

Muito popular por nossa região, a expressão “Cagado e cuspido” já foi “Cuspido e escarrado”. A ideia é dizer que alguém é muito parecido com outra pessoa, como em “O menino é cagado e cuspido o pai” ou “O menino é cuspido e escarrado o pai”. Na verdade, em sua origem, a frase era “Esculpido em carrara”, que é um tipo de mármore de alta qualidade, popular para uso em escultura e construção de decoração. Apesar das corruptelas, o significado não foi alterado.

Outra que não sai da boca do povo, na hora de dar conselhos ou palavra de incentivo, é “Quem não tem cão caça com gato”, a qual indica: “Você deve se virar como puder para alcançar seus objetivos”. A expressão original era “Quem não tem cão caça como gato”, isto é, caça de forma astuta, escondendo-se como um felino.

Na época do Brasil colônia, impostos sobre ouro e pedras preciosas eram muito altos. Para burlar isso, o jeitinho dos mineradores foi rechear santos ocos feitos de madeira com todo o metal que conseguiam. Assim, podiam passar pelas Casas de Fundição sem pagar os impostos. Eis que surge a expressão “Santo do pau oco”, que, hoje, é sinônimo de falsidade e hipocrisia.

“Enfiar o pé na jaca” indica cometer excessos. Essa expressão vem do tempo em que os bares tinham cestos, na parte da frente, com frutas para serem vendidas. Esses cestos eram chamados “jacá”. Quando alguém bebia demais e saía cambaleando, geralmente enfiava o pé no jacá, já que não percebia o objeto. Passando de boca em boca, logo virou “Enfiar o pé na jaca”.

Os equívocos de estratégia de guerra do romano Marco Licínio Crasso deram origem à expressão “Erro crasso”.  Crasso, que dividiu o poder com Júlio César e Pompeu em 59 a.C., no período conhecido como Primeiro Triunvirato, era obcecado por conquistar o Império Parto, na Mesopotâmia, mas atacou a cavalaria inimiga em campo aberto com uma infantaria romana. Resultado: morreu e teve seu exército dizimado, naquela que ficou conhecida como a Batalha de Carras.

Há muito mais expressões e ditos populares que merecem registro. Da “Batatinha, quando nasce, espalha ramas pelo chão”, que virou “Batatinha, quando nasce, esparrama pelo chão”, ao “Se a vida te der um limão, faça uma limonada”, o importante é nunca esquecermos que “Todo dom precioso e toda dádiva perfeita vêm do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há variação nem sombra de mudança”.  (Tg 1,17)

João Maria de Lima é mestre em Letras e professor de língua portuguesa e redação há mais de 20 anos.

profjoaom@gmail.com

Crédito da Foto: Getty Images

 

 

 

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