A língua e o tempo – Por João Maria de Lima

A língua e o tempo - Foto: Reprodução/ Mega Curioso

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O tempo é elemento causador de muitas impropriedades na coletânea de deslizes da língua portuguesa. Da indicação de horas à flexão verbal, passando por expressões com presença ou ausência de acento grave, errônea e popularmente chamado de crase, o que posso explicar em outro momento. O importante agora é não fugir da temática, pois “Matamos o tempo; o tempo nos enterra”, como nos lembra Machado de Assis.

Um dos campeões de uso inadequado é o verbo “fazer” indicando tempo. Nesse caso, a forma verbal fica sempre na terceira pessoa do singular: “Faz dez anos que não a vejo”; “Faz dias que espero por uma resposta”. Quem nunca ouviu um irritante “Fazem três anos…”.  Essa característica, a de não ser flexionado, é o que chamamos de impessoalidade verbal.

Fenômeno semelhante ocorre com o verbo “haver”, que, ao indiciar tempo, sempre se refere ao passado e mantém-se no singular. Neste caso específico, além do desvio de concordância (“Haviam cinco anos que ele viajou”), corre-se o risco da tautologia, como em “Há dez anos atrás”. O adequado é “Havia cinco anos que ele viajou” e “Há dez anos”.

As variações enriquecem qualquer língua. No entanto, devemos ficar atentos porque, muitas vezes, a mudança de simples preposição provoca alteração no enunciado. Explico: se quero indicar uma ação que se repete, recorro à preposição “a”; mas, se o fato ocorre esporadicamente, uso a preposição “em”.  Exemplos: “A feira do Alecrim ocorre aos sábados”, isto é, acontece todos os sábados; “Aplicarei prova no sábado”, ou seja, o fato ocorre uma só vez ou de vez em quando.

Outra confusão bastante comum é feita com as expressões “a princípio” e “em princípio”. Esta não tem relação com tempo, significa “em tese”, “teoricamente”; aquela quer dizer “inicialmente”, “no começo”, sendo, portanto, temporal.

A conjunção “enquanto” é outra palavra que pode se juntar a esse grupo. De conotação temporal, quase sempre tem seu sentido distorcido em frases como: “Enquanto cidadão, luto por meus direitos”. Seu uso deve ser restrito à ideia de tempo: “Enquanto o professor explicava, os alunos ouviam atentamente”.

Na indicação de horas, ocorre um deus nos acuda quanto ao sinal indicativo da crase, o acento grave. Quem não quiser errar que substitua o horário por meio-dia e veja se teremos o encontro do artigo com a preposição. Assim, a frase “A aula começa às 7 horas” está correta, pois, se eu substituir 7 horas por meio-dia, terei: “A aula começa ao meio-dia”. Mas, em “Estou aqui desde as 7 horas”, não ocorre a fusão da preposição com o artigo. Veja: “Estou aqui desde o meio-dia”. Esse é um caso em que dar a dica é melhor do que ensinar toda a regra.

Entre os dias da semana, é importante considerar o paralelismo. Se o comércio abre “de segunda a sexta-feira”, não ocorre acento grave porque a preposição “de” não vem acompanhada de artigo. Logo, a preposição “a” também não virá. Se, ao contrário, o “de” aparecer devidamente acompanhado, causará o acento antes da palavra “sexta-feira”: “da segunda à sexta-feira”.

Antes de terminar, é preciso lembrar que haverá mudança de sentido se não for observado o acento em “Chegou a noite” (anoiteceu) e “Chegou à noite” (ele/ela chegou durante a noite). Por essas e outras, diz-se que uma frase é capaz de mudar um destino. É preciso perseverar para trilhar um bom caminho na língua.  Alguns desistem, até porque, “De fato, vai chegar um tempo em que muitos não suportarão a sã doutrina e se cercarão de mestres conforme seus desejos, quando sentem coceira no ouvido” ( 2Tm 4,3).

João Maria de Lima é mestre em Letras e professor de língua portuguesa e redação há mais de 20 anos.

profjoaom@gmail.com

Crédito da Foto: Reprodução / Mega Curioso

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