Sua Majestade, a vírgula – Por João Maria de Lima

Sua Majestade, a vírgula - Foto: Reprodução/Brasil Escola

Certamente, muitos já ouviram a frase “Uma vírgula faz toda a diferença”. Mais do que um clichê ou uma amedrontação do professor de português, trata-se de um alerta real. O tema é tão relevante que a Universidade Federal do Paraná, em 2009, transformou em questão de vestibular o texto da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), o qual dizia: “A vírgula pode ser uma pausa. Ou não. Não, espere. Não espere. A vírgula pode criar heróis. Isso só, ele resolve. Isso, só ele resolve. Ela pode forçar o que você não quer. Aceito, obrigado. Aceito obrigado. Pode acusar a pessoa errada. Esse, juiz, é corrupto. Esse juiz é corrupto. A vírgula pode mudar uma opinião. Não quero ler. Não, quero ler. Uma vírgula muda tudo. ABI: Associação Brasileira de Imprensa. 100 anos lutando para que ninguém mude nem uma vírgula da sua informação”.

A vírgula, de fato, é a rainha dos sinais de pontuação. Saber usá-la é uma questão de domínio do idioma; desprezar seu bom emprego é escorregar na falta de clareza. Há casos em que parece que as vírgulas fogem ao seu princípio básico de uso. São empregos mais específicos que requerem um pouco mais de atenção, mas que não se afastam de uma compreensão lógica. Vejamos alguns deles.

Vírgula obrigatória antes e depois do “e”. Se houver alguma intercalação entre o “e” e o restante do enunciado, essa interrupção deve ser assinalada: “Falou demais e, nos dois debates, não convenceu os eleitores”. Ainda antes da conjunção “e” pode ser colocada a vírgula em dois tipos de construção como a seguir: unindo orações com sujeitos diferentes (O professor registrou a advertência, e os alunos foram encaminhados à diretoria); para evitar ambiguidade (O primeiro colocado recebeu o troféu, e outros prêmios foram distribuídos entre os demais participantes). Observe como, nesse último caso, omitir a vírgula levaria, em um primeiro momento, o leitor a entender que “o primeiro colocado recebeu o troféu e outros prêmios”.

Vírgula com “sim” e com “não”. Quando forem advérbios de afirmação ou de negação, devem ser separados por vírgula nas respostas em que aparecerem: “Você quer aprender Português? Quero, sim”; “Ela será promovida? Não, não será”. Entretanto, quando o “sim” formar uma unidade inseparável com o “e”, funcionando como uma conjunção adversativa equivalente a “mas”, não pode ser separado por vírgula: “O cidadão não quer esmola, e sim emprego”. Também se pode usar o “sim” como reforço, junto com a conjunção “mas” efetivamente expressa. Nesse caso, o “sim” ficará entre vírgulas, pois a conjunção já possui toda a força adversativa: “Não vou usar desculpas, mas, sim, falar a verdade”.

Vírgula com parênteses e após travessão. É possível colocar uma vírgula após parênteses em construções em que ela seria usada normalmente: “Quando todos os alunos entregarem as provas (alguns já deveriam ter feito isso), darei o gabarito”.  Pode-se colocar um termo entre travessões para realçar seu conteúdo. Se, além disso, esse termo fizer parte de uma intercalação que peça vírgula, esta ficará após o segundo travessão: “Se os votos do candidato forem validados – o que é esperado –, ele será eleito”.

Vírgula para assinalar ausência de verbo. Uma vírgula deve assinalar a omissão de um verbo facilmente subentendido ou que já foi usado na frase: “Em cima da mesa, apenas livros”; “Um filho estudou no exterior; outro, no Brasil”.

Vírgula com não só…mas também; tanto…como; não apenas…como também. Esses elementos de conexão, que indicam soma, servem justamente para reforçar o vínculo entre ideias e, por isso, não se recomenda usar vírgulas nessas construções, o que diminuiria esse efeito: “Não havia mais o que fazer tanto no hospital como em casa”; “O novo diretor não só reduziu a jornada de trabalho mas também cortou o desperdício de material”.

É por essas e outras que a vírgula é a rainha dos sinais de pontuação. Escrever sobre ela é importante “Para darem a conhecer aos filhos dos homens as tuas façanhas, e a magnificência gloriosa do teu reino” (Sl 145,12).

João Maria de Lima é mestre em Letras e professor de língua portuguesa e redação há mais de 20 anos.

profjoaom@gmail.com

Crédito da Foto: Reprodução / Brasil Escola

 

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