Descuidos com a língua – Por João Maria de Lima

Descuidos com a língua - Foto: Reprodução / Curriculum.com.br

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Alguns desvios da norma culta entram em nossos ouvidos como música. E, como tal, passamos a repeti-los, seja por não temos conhecimento sobre o tema, seja por nos contentarmos com tudo aquilo que nos dizem. De qualquer forma, a exposição dessas falhas gramaticais revela uma face nossa que nem sempre é a que desejamos, principalmente na rede social.

Para início de conversa, se usamos dois verbos, devo ficar atento à regência deles, pois, caso sejam diferentes, devemos empregar complementos diferentes. Vejamos o exemplo: “Conheci e gostei de Ana”. O verbo “conhecer” não requer preposição: quem conhece conhece alguém ou alguma coisa. Mas o verbo “gostar” pede a preposição “de”: quem gosta gosta de alguém ou de alguma coisa. Ora, colocando-se apenas um objeto regido pela preposição “de” após os dois verbos, temos a impressão de que essa preposição é requerida por ambos, quando, na verdade, apenas o segundo a exige. Dessa forma, do ponto de vista gramatical, apresentam defeito de construção frases como: “Vi e me apaixonei por Natal”; “Quero e preciso de mais tempo”. Para solucionar o problema, deve-se repetir o objeto após cada verbo, respeitando-lhe a regência: Conheci Ana e gostei dela; Vi Natal e me apaixonei por ela; Quero mais tempo e preciso disso.

Caso interessante é o das redundâncias ou pleonasmos viciosos. As palavras, assim como as pessoas, podem andar mal-acompanhadas. Por isso, todo cuidado é pouco, pois a linha que separa a frase correta da redundância é tênue. Os casos a seguir revelam aquela máxima: “Dize-me com quem andas, que te direi quem és”: “ganhar grátis”, “acabamento final”, “monopólio exclusivo”, “surpresa inesperada”, “lançamento do novo”, “panorama geral”, “habitat natural”, “criar novos”, “conviver juntos”, “elo de ligação”, “erário público”, “goteira no teto”, “labaredas de fogo”, “manter o mesmo”,  “pequenos detalhes”, “todos foram unânimes”. Todos esses exemplos transmitem uma ideia de quem as usa, do mesmo modo de “subir para cima” ou “descer para baixo”.

Quando se trata de texto, o que abunda prejudica. É o caso de advérbios, que geralmente sobram em frases como “Eu, particularmente, não acredito na inocência do réu”.  A palavra “particularmente” não acrescenta nada à oração. Não se deve empregá-la. Isso vale para o “pessoalmente”: “Eu, pessoalmente, não confio em você”.  Drummond ensinava que escrever é economizar palavras. “Escrever é cortar”. Todos dão o mesmo recado: respeite a paciência do leitor/ouvinte. Quanto menos palavras gastarmos para transmitir uma ideia, melhor.

E como ser conciso sem prejudicar a mensagem? Uma tática interessante é eliminar palavras ou expressões desnecessárias. Os candidatos à tecla “delete” são artigos indefinidos, pronomes possessivos, adjetivos, advérbios. Menos palavras é mais clareza, mais objetividade, mais rapidez. Além disso, o artigo indefinido antes do pronome indefinido pode incidir em redundância: “Um certo dia vi um terrível acidente”. Ainda há o risco de sermos perjorativos: “Um certo aluno veio questionar o professor”.

Cabe dizer, também, que, vez por outra, alguns veículos da imprensa “escorregam” nos caracteres, não só com erros de troca de palavras (“benvindo”, em vez de “bem-vindo”), mas também causando redundância (“lançamento do novo programa”). Em outros casos, a situação é mais grave porque “a vítima ficou ‘sobrea mira das armas” e “a ‘faixa etária’ dos preços da gasolina é essa”. Neste caso, os preços da gasolina passaram a ter idade; no outro, mesmo que a vítima fosse equilibrista, não conseguiria ficar “em cima da” mira das armas.

Contudo, o que mais salta aos olhos são as confusões na ortografia. É verdade que a grafia de algumas palavras tem explicações que a própria razão desconhece, mas a maioria dos casos tem um fundamento lógico. Os verbos terminados em “izar” – queridinhos do dia a dia – são confundidos constantemente com os que acabam em “isar”. Há uma explicação simples. Os verbos terminados em “isar” mantêm o “s” do substantivo. Se o substantivo é “paralisia”, nada mais natural que as outras palavras da família também  sejam escritas com “s”: “paralisar” , “paralisado”, “paralisação”. E assim segue: “análise”/analisar; “pesquisa/pesquisar”; “liso/alisar”. Para “finalizar”, resta-nos entender que a terminação “izar” indica ação de fazer ou tornar. Acrescenta-se a um adjetivo ou substantivo concluído por “r”, “l”, “n” ou vogal: “valor”/”valorizar”; “final”/”finalizar”; “escravo”/”escravizar”. “O justo conduz o amigo para a retidão, enquanto o caminho dos maus os desorienta.” Pr 12,26

João Maria de Lima é mestre em Letras e professor de língua portuguesa e redação há mais de 20 anos.

profjoaom@gmail.com

Crédito da Foto: Reprodução / Curriculum.com.br

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