Crônicas Da Velha Ribeira (28)

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Quando comecei a trabalhar como vendedor nas Lojas Utilar, em 1961 – por obra e graça de minha irmã Yolanda, contadora da firma Jessé Freire Agro-Comercial, dona das lojas – o computador era um bicho que a gente só via no cinema e se chamava “cérebro eletrônico”. Mas, naquela empresa já tinha a modernidade do mimeógrafo à álcool, no qual se “rodava” as duplicatas, à partir de uma “matriz”.

As Notas Fiscais eram emitidas à mão pelo vendedor e tinham quatro vias, três delas destacáveis. Utilizava-se papel carbono de dupla face, exigência fiscal para detectar eventuais rasuras, sendo que as duas primeiras seguiam com a mercadoria, a terceira ia para o Fisco Estadual e a quarta – aquela  que não se destacava –  permanecia no talão, para utilização contábil e posterior arquivo.

Meu “professor” na arte da venda, foi o veterano José Bandeira da Costa, decano dos vendedoras da firma, que mantinha filiais na Cidade Alta e no Alecrim.

“Seu” Bandeira era alma boníssima, pessoa inesquecível que teve muita paciência para comigo durante meu aprendizado.

Muito brincalhão, costumava atender telefonemas internos falando um “inglês” no qual misturava expressões conhecidas, daquela língua, com um palavreado que nem ele mesmo sabia o que significava…

Quando fiz minha primeira venda, muito nervoso, quase não conseguia terminar a Nota Fiscal, aquele documento aterrorizante, cheio de vias e no qual se tinha de descrever, com o maior cuidado paranão errar a escrita, as características do produto vendido, etc. e tal.

Terminado o serviço – tão demorado, que já enchia a paciência do comprador – não me dei por satisfeito, porque a Nota ficou muito feia, ao contrário das que “seu” Bandeira preenchia com sua letra desenhada e sem nenhum errinho…

Arranquei, do talão, as quatro vias – inclusive a que não era picotada – amassei-as e as joguei na cesta do lixo.

A segunda Nota Fiscal foi caprichada e o cliente ficou satisfeito. E eu fiquei mais satisfeito ainda, por ter completado aquele “vôo solo”…

Inocentemente, na hora da pausa para o cafezinho, comentei com “seu” Bandeira o fato de haver errado minha primeira nota, mas que tinha “consertado o erro”, emitindo uma segunda, “no capricho”.

Ele pegou o talão, folheou-o mas, claro, não encontrou nada errado.

– Cadê a nota que você errou? – perguntou já meio desconfiado.

– Botei no lixo, ora!

– Cê é doido, home? – gritou, ao mesmo tempo em que corria ao cesto.

E eu atrás, sem entender o que tava acontecendo.

Ele pegou os papeis amassados  e alisou as quatro vias, com a mão e em cima da perna.

– Se a Fiscalização pegar umserviço desses, tamos fritos.

Tivemos que “engomar” várias – à frio – as quatro vias da nota, que, felizmente eu não tinha rasgado antes de joga-las no lixo.

Depois, com uma paciência dum ourives engastando uma pedra preciosa num anel pequeno, “seu” Bandeira as colou no talão e encheu-as com o carimbo “CANCELADO”.

Essa, foi uma daquelas lições que a gente nunca esquece…

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