Uma mistura que deu certo

Na química, para uma pesquisa dar certo, é preciso arriscar. A união, ou seja, a mistura, de duas ou mais substâncias diferentes e uma pitada de “sacada química” são os ingredientes primordiais para um cientista. Nesse sentido, o hipoclorito de sódio (NaOCl), substância de uso padrão na fabricação de produtos de limpeza, como a água sanitária, foi motivo de estudo na UFRN para a implementação de uma fórmula que auxilia no tratamento endodôntico, como irrigante dos canais dentários.

A pesquisa foi realizada no Instituto de Química (IQ) da UFRN, com a coordenação dos professores Fabio Dametto e Alcides Wanderley, a participação da aluna de Odontologia, Cristiane Lorena, e o apoio do Laboratório de Tecnologia de Surfactantes (LTT). Juntos, eles desenvolveram um novo método, adicionando um surfactante compatível, o Lauril éter sulfato de sódio (SLES), ao hipoclorito, mantendo o mesmo potencial de ação bactericida. Seu uso possibilita adquirir um produto de valor de mercado mais baixo garantindo a biossegurança ao paciente.

Em 1915, o químico inglês, Henry Drysdale Dakin, indica pela primeira vez o hipoclorito como uma solução antisséptica para limpeza e desinfecção das feridas dos soldados da 1ª Guerra Mundial, devido à sua forte ação antimicrobiana, ou seja, a capacidade de eliminar microorganismos. Com funcionalidade de irrigante dos canais radiculares, local que abriga a polpa dentária, na qual ficam o tecido com vasos sanguíneos e os nervos do dente, o hipoclorito tem sido a escolha padrão desde o século passado, o que atesta seu uso de forma segura no paciente. Embora tenha excelente ação antimicrobiana e seja um excelente solvente tecidual, em altas concentrações é tóxico aos tecidos, por isso a exigência de cautela no manuseio.

Uso do hipoclorito na prática em pacientes no consultório odontológico – Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN

A ideia do projeto é o desenvolvimento de uma formulação em gel para o hipoclorito que permita o maior controle dessa substância durante a irrigação dos condutos, sem perder as características que o tornam um agente de limpeza e descontaminação tão eficiente e, principalmente, a diminuição dos riscos ao paciente. “O hipoclorito já é usado, só que, devido a ele ser muito fluido, pode escoar para boca, acarretando incômodo e até lesões na gengiva. Pensando nisso, foi desenvolvida uma formulação gel para que os dentistas possam manusear com menos riscos”, comentou o professor Fábio.

“A solução de hipoclorito de sódio é o irrigante e bactericida mais utilizado durante o tratamento endodôntico. Entre todas as características desejáveis de um irrigante odontológico, é a única substância que contempla a capacidade de dissolver matéria orgânica. É por este motivo que, mesmo com todas as inovações, continua a ser utilizado e incorporado às novas técnicas e protocolos de tratamento de canal”, comentou a orientanda Cristiane.

Sobre os ensaios da pesquisa, os professores responsáveis relataram detalhes do estudo. Segundo eles, foram realizados testes de conferência para garantir se a formulação gel não perdeu as prioridades de matar as bactérias. “Os testes biológicos comprovaram a permanência do potencial bactericida”, reforçaram.

Testes químicos realizados foram essenciais para confiabilidade do produto – Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN

Fábio comentou ainda sobre os variados testes que enfatizam a qualidade do estudo divulgado. “Foram feitas análises de pH (potencial hidrogeniônico, escala logarítmica que indica se a solução é ácida, neutra ou básica), tensão superficial, molhabilidade, viscosidade, espectroscopia no infravermelho com transformada de Fourier, FT-IR (técnica usada para obter um espectro infravermelho de absorção ou emissão de um sólido, líquido ou gás), para verificar se a formulação do gel produz alguma reação química entre os componentes ou se ocorre apenas a solubilidade entre os constituintes, potencial bactericida e dissolução do tecido orgânico. O teste de molhabilidade, em especial, é importante no contexto de espalhabilidade do produto, para não ter a ideia de que, por ser em gel, teria aquele aspecto viscoso e dificulte o uso como irrigante”, explicou.

Dentista e orientanda do projeto Cristiane Lorena – Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN

A escolha do surfactante SLES foi bastante criteriosa, apesar dele ser bem comum no meio químico e totalmente seguro, pois era importante que a formulação chegasse ao ponto de gel ideal e mantivesse a ação bactericida. “Os polímeros são usados para viscosificar os líquidos, só que nesse caso acaba reagindo com o hipoclorito e não dá certo. Daí, o SLES aumenta a viscosidade e, além disso, baixa a tensão superficial que é bem importante para que a substância escoe sobre a superfície da dentina. Espalhar é importante para conseguir atingir toda a área e matar as bactérias”, enfatizou os pesquisadores.

Ao todo, foram seis meses entre testes e pesquisas para chegar a formulação correta. Assinam também o estudo os alunos Mariana Rodrigues e Dennys Correia. É possível a leitura do artigo na íntegra.

Fonte: Agecom/UFRN

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