Mulheres na pesca

Da saúde à economia, a pandemia de covid-19 desestabilizou o planeta e exigiu novos processos de adaptação para combater a crise. Nas comunidades pesqueiras do Brasil, essa mudança foi sustentada pelo protagonismo de mulheres na pesca artesanal, como mostra estudo realizado por pesquisadoras do Laboratório de Ecologia Humana (Labeh), vinculado ao Departamento de Ecologia (Decol) do Centro de Biociências (CB/UFRN), e publicado na revista acadêmica e interdisciplinar Marine Policy.

Os resultados da pesquisa comprovam que nenhuma comunidade mostrou formas particularmente marcadas no enfrentamento da pandemia. Para Monalisa Silva, mestre e doutora em Ecologia, primeira autora do artigo, isso é motivo de preocupação, pois sugere um alto nível de vulnerabilidade desses trabalhadores. Quanto ao papel da mulher na atividade pesqueira, o estudo revela que as pescadoras encararam a pandemia com maior seriedade e exerceram comportamentos mais proativos no combate aos efeitos da crise sanitária. Agora, o próximo passo é entender como utilizar essa liderança feminina para aumentar a resiliência das comunidades pesqueiras.

A cientista explica que entender como as comunidades pesqueiras lidam com as mudanças socioeconômicas é fundamental para a prevenção e a redução dos impactos que atingem esses grupos. “Na nossa pesquisa, avaliamos os impactos econômicos e de bem-estar e saúde das pessoas que desenvolvem a pesca artesanal, e as estratégias utilizadas por elas para lidar com esses impactos. Para isso utilizamos uma abordagem socioecológica, que integra a sociedade ao ecossistema e seus recursos naturais”, afirma a pesquisadora.

Principal embarcação utilizada pelos pescadores artesanais da região Nordeste – Foto: Jaciana Barbosa / Cedida

O estudo foi realizado entre os meses de abril e setembro de 2020, na modalidade  remota, e buscou analisar as comunidades pesqueiras considerando as características individuais e o ambiente de pesca dos entrevistados. Monalisa esclarece que as  informações coletadas são respostas às ligações telefônicas e videochamadas, guiadas por um questionário padrão, que serviram de suporte para entrevistas com líderes de colônias ou associações de pescadores das cinco regiões geopolíticas do Brasil, localizadas na costa e no interior.

De acordo com a pesquisadora, a pandemia expandiu as dificuldades enfrentadas por pescadores e pescadoras artesanais. A queda do turismo, a falta de equipamentos de proteção individual (EPIs) e a baixa demanda pelo pescado são alguns fatores que, somados ao medo da contaminação, tornaram essa população mais vulnerável. “Diferente de outros trabalhadores, as pessoas que atuam na pesca artesanal não podem migrar para o home office e, por isso, não conseguem manter o isolamento social no desenvolvimento de suas atividades”, lembra a doutora em Ecologia.

No caso das mulheres, Monalisa aponta que a situação é mais agravante devido à maior responsabilidade com o cuidado da casa e dos filhos. “Dos quase um milhão de pescadores artesanais, um terço são mulheres. Em geral, elas trabalham nas atividades pré e pós-colheita do pescado e/ou como catadoras de mariscos. Por exemplo, elas participam do processo de captura das espécies, do processamento e comercialização do pescado e da fabricação de equipamentos de pesca. Assim, as mulheres fazem parte de toda a cadeia produtiva da pesca, possuindo um papel fundamental na segurança e soberania alimentar de suas famílias e comunidades”.

Curso sobre segurança alimentar para pescadoras artesanais realizado em Macau (RN), com o apoio da Colônia de Pescadoras da comunidade de Barreiras – Foto: Miguel Júnior – Cedida

A pesquisadora complementa evidenciando que as mulheres observaram mais atentamente as consequências da pandemia na pesca e conseguiram antecipar novas estratégias de adaptação. No processo de vendas, por exemplo, elas perceberam a redução de consumidores e buscaram ajuda financeira e formas diferentes de venda do pescado. O problema é que o trabalho ainda permanece marcado pela desigualdade de gênero e dificulta o alcance não só do reconhecimento, mas dos direitos das pescadoras.

“Diferente dos pescadores, as pescadoras só tiveram o direito ao registro de pesca a partir de 1980, com a Lei 6.807/1980. No entanto, esse descaso histórico vem diminuindo timidamente com o desenvolvimento da legislação pesqueira no Brasil (Lei 11.959/2009 — Lei da Pesca) e com o aumento da mobilização feminina na última década”, aponta Monalisa. De acordo com a integrante do artigo, o número de mulheres liderando associações de pescadores, incluindo algumas dominadas por homens, aumentou em todo país.

A representatividade feminina em espaços de decisão permite que a mulher utilize sua voz para opinar e mobilizar lutas em prol dos seus direitos. Monalisa ressalta que essa causa tem ganhado destaque em estudos da academia e campanhas, como é o caso da #Mulheres Rurais, lançada em 2019, que buscou valorizar a contribuição das trabalhadoras do campo (englobando as pescadoras artesanais) ao cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) relacionados à igualdade de gênero e ao fim da pobreza rural. O caminho, apesar disso, mostra-se longo e exige mais esforços para que a pesca feminina saia da invisibilidade.

Pescadores artesanais da Colônia de Pescadores de Galinhos (RN) em curso sobre segurança alimentar promovido pela iniciativa Renda Alimentar com Sabores do Mar – Foto: Cedida

“Existe muita literatura sobre o estilo de liderança transformador das mulheres, o qual se encaixa perfeitamente na situação de grande choque que estamos enfrentando na pandemia. Ainda existe uma percepção geral pelo mundo de que os países liderados por mulheres conseguiram lidar melhor com os impactos da pandemia. Isso mostra a importância do empoderamento socioeconômico das pescadoras, não só para a garantia da segurança e soberania alimentar de suas famílias e comunidades, mas na preparação dessas comunidades para situações futuras de adversidade”, finaliza Monalisa.

Fonte: Agecom/UFRN

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