Ciência feminina

Quando pensamos em cientistas muitas vezes nos remetemos a homens, como o físico Albert Einstein, que desenvolveu a Teoria da Relatividade, ou ainda ao matemático e físico, Isaac Newton, reconhecido como autor da Lei da Gravitação Universal. Porém, há grandes nomes femininos por trás da história, quando falamos em ciência. Uma delas é a física e química Marie Curie, pioneira no desenvolvimento de pesquisas sobre radioatividade, e Rosalind Elsie Franklin, química britânica que ajudou no entendimento das estruturas moleculares do DNA, RNA, vírus, carvão mineral e grafite. A lista de mulheres cientistas de destaque é extensa, embora pouco conhecida, poderíamos citar muitas outras que contribuíram para descobertas científicas.

Na UFRN, elas ocupam cada dia mais espaço, principalmente em áreas cuja tradição é a de ter uma maior participação masculina. A estudante do curso de Farmácia da UFRN, Ingrid Fonseca, 22 anos, é uma dessas mulheres que iniciam uma trajetória de destaque na pesquisa científica na Instituição. Ela acabou de conquistar a 2ª colocação no 5° Prêmio Destaque na Iniciação Científica e Tecnológica da UFRN na área de Ciências Exatas.

“Assumi o projeto que foi premiado como trabalho destaque, por um ano, e foi algo bastante inovador. Foi o meu primeiro ano de iniciação científica. Nunca tinha participado de nenhum outro projeto e de início foi bastante difícil assumir um em um ano de pandemia, tendo reuniões apenas virtualmente. No final, todo o cronograma foi cumprido e deu bons frutos, sendo um deles a premiação”, destaca.

A aluna Ingrid Fonseca conquistou a 2ª colocação no 5° Prêmio Destaque na IC&T da UFRN, na área de Ciências Exatas – Foto: Williane Silva- Reitoria/UFRN

Ingrid lembra o privilégio de aprender e se inspirar em professoras que ganharam prêmios como cientistas na UFRN. Desse modo, acredita haver um espaço dentro da Instituição para mulheres cientistas, mas considera que o percentual feminino na pesquisa ainda é bem menor do que em outras áreas de atuação.

A estudante de Farmácia disse que sempre gostou de estudar e a iniciação científica foi para ela bastante enriquecedora, já que pôde se aprofundar em assuntos específicos dos quais não tinha muito conhecimento. Além disso, aprendeu a ter capacidade de debater e questionar, algo anteriormente bastante difícil por ser um pouco tímida.

“A pesquisa científica entrou na minha vida, em parte pelo desejo de descobrir como me sairia desenvolvendo e auxiliando em projetos, e até hoje permaneço, pois tive oportunidade de conhecer e perceber que gosto dessa área”, ressalta. Ingrid considera positiva a crescente participação de mulheres na pesquisa científica, porém, acha ainda algo desafiador devido à desigualdade.

Alunos agraciados com o prêmio Destaque na IC&T 2021 – Foto: Williane Silva – Reitoria/UFRN

Além de Ingrid Fonseca, dos nove trabalhos agraciados com o Prêmio Destaque em IC&T, outros quatro tinham mulheres como autoras, que são: na área de Ciências Exatas, da Terra e Engenharias – Raissa Vanessa de Oliveira Silva; nas Ciências da Vida – Katia Maria Pereira e Jessica Cristina Alves de Melo; e na área de Ciências Humanas e Sociais, Letras e Artes – Barbara de Oliveira Santaroni Cortat.

Já em relação ao prêmio de Vídeo Destaque de Divulgação Científica, dado a um estudante de cada área, entre os três agraciados, duas são mulheres, na área de Ciências da Vida – Maria Clara Lima da Cruz, e em Ciências Humanas e Sociais, Letras e Artes – Jessica Iasmim Santos Bezerra.

Isso sem citar as professoras que orientaram os trabalhos premiados: Grasiela Nascimento Correia, Maria Angela Fernandes Ferreira, Isabelle Campos de Azevedo, Izabel Augusta Hazin Pires e Angela Lucia de Araujo Ferreira. “Isso mostra que o nosso mercado científico cada vez mais está se abrindo para nós, mulheres, e também espero que a ciência alcance mais mulheres e que a UFRN possa mostrar e incentivar cada vez mais seus alunos a contribuírem com ela”, frisa Ingrid Fonseca.

Amor pela pesquisa

A pesquisa científica entrou na vida da professora do Instituto de Química da UFRN, Dulce Maria Araújo Melo, no início da graduação, quando estudava na Universidade Federal do Ceará (UFC). A professora Ester Wyne percebeu que Dulce, então aluna do curso de Farmácia, gostava de Química e de estar no laboratório ajudando a preparar as aulas experimentais de Química Inorgânica. “Na época, eu não tinha pretensão de receber bolsa, mas ela veio após um certo tempo, por mérito, conseguida pela professora Ester”, ressalta.

Professora Dulce Melo é Pesquisadora nível 1A do CNPq e atua no Comitê das Engenharias de Materiais e Metalurgia – Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN

Após o incentivo dado na iniciação científica, Dulce Maria terminou a graduação e foi fazer mestrado e doutorado na Universidade de São Paulo. Foi nessa época que ela foi incentivada a participar de grupos de pesquisa que a fizeram ver que, “para ser cientista, é preciso ter amor por aquilo que você escolheu”. A próxima conquista foi se tornar professora titular do Instituto de Química da UFRN, em 2006, através de um concurso público de livre concorrência, embora ela já pertencesse ao quadro de professores adjuntos da UFRN.

Na opinião de Dulce Maria, nos últimos anos a participação feminina cresceu muito na área científica, porém, observa-se ainda que nos comitês o número de pesquisadores do sexo masculino ainda é maioria. “A participação feminina é tão importante, levando em consideração que a pesquisadora tem características mais resilientes, e a participação feminina só qualifica os trabalhos desenvolvidos em um grupo onde ainda não se tem uma paridade reconhecida”, destaca. A docente pontua ainda um outro fator que facilita a participação feminina em grupos majoritariamente de pessoas do sexo masculino – a multidisciplinaridade, uma vez que, em geral, a pesquisa desenvolvida, mesmo nas engenharias, requer essa característica.

Pesquisadora nível 1A do CNPq, nível em que apenas 25% dos pesquisadores são mulheres, a professora da UFRN reconhece que a concorrência entre os pares é um desafio dentro da comunidade científica. “Algumas dificuldades sempre aparecem, mas é preciso ter coragem e conhecimento científico para vencer os desafios. Sempre é bom estarmos preparados para ultrapassar as dificuldades. Eu confesso que não tenho problemas em transitar nesse meio”, explicita.

Para a professora Dulce Maria, o papel das cientistas mulheres agrega muito valor à UFRN – Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN

Dulce sabe que poucas mulheres ganharam o prêmio Nobel, mas ela garante que em todos os laboratórios nos quais os ganhadores do prêmio estavam vinculados, haviam mulheres cientistas. Sobre o espaço científico para mulheres na UFRN, a professora afirma que a Instituição está na vanguarda das Universidades mais democráticas que conhece, e “olhe que conheço muitas de mundo afora”, e sabe que o papel dessas cientistas agrega muito valor à UFRN.

A professora já conquistou cinco prêmios Petrobras na área de Materiais para cimentação de poços de petróleo, juntamente com o grupo de pesquisa Materiais Catalíticos e Refino de Petróleo (Engenharia de Materiais e Metalúrgica) e Química Inorgânica e Materiais (Química). Atualmente ela coordena o Laboratório de Tecnologia Ambiental (Labtam), que conta com mais de 50 discentes e pesquisadores, desenvolvendo estudos na área de energia renovável.

Pesquisadora Destaque

Outra cientista de destaque na UFRN é a vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS), Rozeli Maria Porto. Contemplada com o prêmio Pesquisadora Destaque UFRN 2021, ela declara que a premiação é um grande incentivo, pois “traz à tona o reconhecimento e a legitimidade da pesquisa antropológica – e de uma mulher antropóloga – que se traduz em um trabalho científico sério e posicionado”.

Rozeli Maria Porto foi premiada como Pesquisadora Destaque UFRN 2021 – Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN

Embora o número de mulheres pesquisadoras tenha crescido mundialmente, pontua Rozeli, existe uma sub-representação dessas sujeitas no campo científico. “A ciência sempre foi vista sob o viés androcêntrico, e somente após a segunda metade do século XX se percebem mudanças significativas, advindas principalmente da luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres, reivindicados por distintos movimentos sociais e feministas”, afirma.

Tais reivindicações, acrescenta ela, permitiram às mulheres o acesso à educação científica, ao investimento nas carreiras, ocupadas anteriormente e eminentemente pelos homens. Fato que causou mudanças expressivas nesses processos de gênero, e que se refletiu nas universidades brasileiras.

“Embora as mulheres participem cada vez mais de atividades em diferentes áreas de conhecimento, são poucas aquelas que conseguem avançar em cargos e posições de destaque e reconhecimento, ou mesmo de conseguirem uma bolsa PQ (bolsa produtividade do CNPq)”, coloca. Para ela, as mulheres, ainda hoje, estão vinculadas ao “cuidado” o que as prejudica e as afasta da “ciência” – menos pesquisa, menos publicações, menos produtividade acadêmica – justamente porque a sociedade compreende que são as mulheres que devem se dedicar à casa e à família.

Após a segunda metade do século XX as mulheres passaram a ter acesso à educação científica – Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN

A professora afirma que há espaço para as mulheres na ciência, mesmo com tantos desafios a serem superados. Um bom exemplo da união de forças das mulheres cientistas é a atuação da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas. Lançada em abril de 2021, a Rede nasceu com a proposta de fomentar o diálogo e o debate, além de alicerçar e embasar políticas públicas, por meio do conhecimento das mulheres cientistas e de suas pesquisas. Com mais de três mil cientistas brasileiras cadastradas, a Rede atua em seis campos prioritários, que são: Saúde; Violência; Educação; Assistência social e Segurança alimentar; Trabalho e emprego e  Moradia e Mobilidade.

O documento de lançamento da Rede, em plena pandemia da covid-19, aponta que a proposta é “atuar em defesa das mulheres a partir de uma perspectiva que busca a atenção a algo praticamente ignorado no debate público: a condição das mulheres brasileiras na pandemia”.

Bolsista produtividade CNPQ, Rozeli foi agraciada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por ter orientado a melhor tese de doutorado em Antropologia Social do ano de 2020. Atualmente é sócia efetiva, membro do Conselho Científico e do Comitê Gênero e Sexualidades da Associação Brasileira de Antropologia (ABA).

Participação

Dados do Módulo Pesquisa do Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas da UFRN (Sigaa), entre os anos de 2001 e 2017, apresentados na pesquisa de mestrado Formação de Recursos Humanos para a pesquisa: avaliação do impacto do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica na pós-graduação da UFRN, desenvolvida por Eloísa Helena Fonseca Dantas, para o mestrado em Gestão de Processos Institucionais da UFRN, apontam que em relação ao gênero dos egressos da IC entre 2001 e 2017, as mulheres são maioria na UFRN, representando 58,3% dos 11.897 estudantes. “Ao limitar a análise entre os 4.911 bolsistas PIBIC CNPq, predominância feminina é de 56,1%, enquanto entre os 3.855 bolsistas PIBIC UFRN, a proporção é de 60,6%, e entre os 2.548 voluntários, a participação de mulheres é de 63,2%”, revela a pesquisadora.

Pesquisa aponta que, em relação ao gênero dos egressos da IC entre 2001 e 2017, as mulheres são maioria na UFRN, representando 58,3% dos 11.897 estudantes – Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN

O estudo mostra ainda outro ponto relevante observado no perfil de egressos da IC na UFRN, que é a aparente influência da iniciação científica no aumento da participação das mulheres na pós-graduação da UFRN, tanto entre os ingressantes quanto entre os que obtiveram a titulação máxima de mestre ou doutor. Na pesquisa desenvolvida por Eloísa, “os dados analisados demonstraram que a participação feminina é significativamente superior à de homens entre o grupo de ingressantes que participaram da iniciação científica quando comparado ao grupo de ingressantes que não são egressos da IC”.

O trabalho indica ainda que “o maior número de mulheres na iniciação científica durante a graduação aparentemente está influenciando a maior participação feminina entre os ingressantes na pós-graduação e a consequente titulação obtida, tanto entre os pós-graduados que obtiveram a titulação máxima de mestre quanto entre aqueles que se titularam como doutores”.

Na prática, destaca a pró-reitora adjunta de Pesquisa da UFRN, Elaine Gavioli, é possível observar na Instituição uma maior probabilidade de as mulheres que fazem Iniciação Científica realizarem a pós-graduação, se comparado aos homens. “Isso só reforça que as mulheres entram na pós-graduação mais preparadas que os homens, pela experiência na IC”, destaca.

A pró-reitora de Pesquisa da UFRN, Sibele Pergher, diz que coordenação de projetos de pesquisa é realizada por homens e mulheres de maneira igualitária na UFRN – Foto: Wallacy Medeiros – Agecom/UFRN

Um levantamento realizado pela Superintendência de Tecnologia da Informação (STI) da UFRN, solicitado pela Propesq, identificou que a UFRN tem 3.070 projetos de pesquisa em andamento atualmente. Participam desses projetos 2.162 docentes da UFRN. Destes participantes, 1.041 são do sexo feminino (ou seja, 48%). Estes projetos vigentes são coordenados por 1.440 docentes (de ambos os sexos), sendo 49,6% coordenadoras mulheres.

Para a pró-reitora de Pesquisa da UFRN, Sibele Pergher, diante destes dados, pode-se concluir que a coordenação de projetos de pesquisa é realizada por homens e mulheres de maneira igualitária. “As mulheres atuam de maneira equivalente aos homens na pesquisa na UFRN, pois não observamos diferenças significativas na participação feminina e masculina desde a iniciação científica até o mais alto grau de responsabilidade num projeto, função exercida pelo coordenador”, pontua ela.

O ponto de disparidade, no entanto, concentra-se no reconhecimento advindo na carreira de pesquisador, já que há uma diferença importante entre homens e mulheres bolsistas de produtividade em pesquisa do CNPq na UFRN.

Elaine Gavioli acredita que essa disparidade pode em parte ser explicada ainda pela escassa política de apoio às mães, pois, por questões sociais, o peso do cuidado com os filhos é maior sobre as mulheres. “A Propesq vem participando das discussões sobre a temática e, inclusive, adotou em seus editais bonificação extra na produção científica de pesquisadoras que foram mães recentemente. Sabemos que essa ação não resolve a questão, mas reconhece e tenta minimamente reparar o impacto negativo da maternidade na carreira da pesquisadora”, destaca.

Fonte: Agecom/UFRN

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