Oxigênio para o coração

Entre as várias complicações ocasionadas pela diabetes mellitus, a cardiomiopatia diabética é uma daquelas menos conhecidas pelas pessoas, muitas vezes silenciosa, porém merecedora de toda a atenção. Ao provocar alterações importantes no funcionamento normal do órgão, bem como mudanças de formato, a condição pode, com o passar do tempo, levar a uma insuficiência cardíaca.

Na busca por meios de combater esse prejuízo funcional no coração, um estudo conduzido por pesquisadores da UFRN e da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa) vem buscando respostas sobre os mecanismos de ação de um tratamento médico conhecido por Oxigenoterapia Hiperbárica (OHB). Em artigo publicado no periódico Life Sciences, os cientistas apontaram os efeitos positivos dessa terapia.

Aplicada em modelos animais nesta etapa das pesquisas, a oxigenoterapia hiperbárica exerceu efeitos cardioprotetores, ou seja, preveniu a fibrose, a hipertrofia heterogênea das células cardíacas e outras alterações indesejáveis provenientes da diabetes. Pela primeira vez na literatura foram investigadas a estrutura (morfologia) do coração e a expressão de substâncias cruciais para a sua chamada matriz extracelular.

A oxigenoterapia hiperbárica é um tratamento médico baseado no uso de oxigênio puro e pressurizado – Foto: Rafael Tavares

Em condições normais, há um equilíbrio entre a produção de proteínas colágenas e a sua degradação pelas enzimas metaloproteinases da matriz extracelular do coração. Essa harmonia, porém, é modificada com a diabetes, a qual altera moléculas, células, a própria estrutura e a função do coração, levando ao chamado remodelamento cardíaco — um processo contínuo de adaptação frente aos insultos causados pela doença.

“A oxigenoterapia hiperbárica promoveu uma normalização dos danos da diabetes na matriz extracelular cardíaca”, afirma o professor e pesquisador do Departamento de Morfologia da UFRN, Bento João Abreu. Segundo o cientista, um dos autores do estudo, foram elucidadas vias de sinalização responsáveis por esses achados. “Isto é particularmente interessante, pois evidencia possíveis alvos terapêuticos para o tratamento da cardiomiopatia diabética”, ressalta.

Mais tecnicamente, a OHB aumentou a produção gênica da metaloproteinase do tipo 2 e inibiu o aumento de TGF-beta 1 — diretamente ligada à formação da cardiomiopatia diabética  — e a expressão de metaloproteinase do tipo 9. Também houve normalização das proteínas TNF-alfa (substância pró-fibrótica e pró-inflamatória na diabetes) e VEGF, fator de crescimento vascular endotelial importante para a microcirculação dos órgãos.

“Neste trabalho experimental, nós fornecemos mais subsídios científicos para o uso da oxigenoterapia hiperbárica em pacientes com cardiomiopatia diabética, evidenciando, inclusive, seus mecanismos de ação. Obviamente, estudos clínicos a longo prazo com humanos são determinantes para se estabelecer seus reais efeitos”, explica o professor Bento.

Oxigenoterapia hiperbárica

Câmara utilizada em testes ao longo do estudo – Foto: Bento João Abreu

Tratamento médico baseado no uso de oxigênio puro e pressurizado (entre 2,0 e 2,4 atmosferas de pressão), a oxigenoterapia hiperbárica já é aplicada a uma série de condições bem reconhecidas. Para citar algumas, doença descompressiva, embolias gasosas, pé diabético, infecções nas partes moles do corpo (celulite, fascite e miosite), grandes queimaduras, esmagamentos, danos teciduais extensos e infecções dos ossos (osteomielites) são casos nos quais a OHB é recomendada.

Embora não seja uma terapia exatamente nova na medicina, a oxigenoterapia hiperbárica tem apresentado crescimento nos últimos anos. Seus mecanismos de ação, no entanto, ainda não estão bem elucidados, e este grupo de pesquisadores tem se empenhado para descobrir como a terapia participa na formação de novos vasos sanguíneos, potencializando o efeito de antibióticos e reduzindo a inflamação.

Outro dos autores do artigo, o pesquisador e professor do Centro de Ciências da Saúde (CCS/UFRN), Marcus Vinícius de Moraes, trabalha especificamente com a aplicação da OHB em pacientes humanos. Em sua avaliação, o estudo, além de responder a algumas perguntas clínicas, deve abrir as portas para diversas outras pesquisas, especialmente diante do crescente interesse nessa terapia.

“Nossos resultados poderão servir de base para novas descobertas e, com o amadurecer destes achados, entenderemos a cadeia de benefícios gerados pelo oxigênio hiperbárico. O mecanismo de ação deste tratamento continua a ser descoberto e diferentes possibilidades terapêuticas poderão surgir para reduzir os problemas enfrentados pelos pacientes diabéticos”, afirma o docente.

A oxigenoterapia hiperbárica exerceu efeitos cardioprotetores, prevenindo alterações indesejáveis provenientes da diabetes – Foto: Rafael Tavares

De acordo com o professor Marcus Vinícius de Moraes, o trabalho já vem ocasionando alguns desdobramentos importantes. Um deles foi a criação de uma diretoria de pesquisa experimental dentro da Sociedade Brasileira de Medicina Hiperbárica (SBMH), órgão que congrega os médicos hiperbaristas de todo o Brasil, entre os quais há diversos pesquisadores.

Sim, ainda há muito mais a pesquisar. Entre os próximos trabalhos estão a investigação dos efeitos da OHB nas coronárias intramurais  — pequenas ramificações das artérias que permeiam o músculo cardíaco — e o desenvolvimento de um sistema de avaliação das propriedades mecânicas passivas do miocárdio, cujo objetivo é revelar alterações que acompanham a doença e a repercussão de tratamentos diversos, como a própria oxigenoterapia hiperbárica. Para tanto, o estudo está aberto a novos parceiros.

“Começamos essa linha de pesquisa há pouco tempo, a partir de uma demanda clínica. Trata-se de algo muito promissor e, quem sabe, gostaríamos de reunir colaboradores interessados em realizar estudos com outros modelos experimentais, a fim de ampliarmos o entendimento sobre os mecanismos desse método de tratamento”, convida o professor Bento Abreu.

Com primeira autoria do pesquisador Flávio Santos Silva, da Ufersa, o artigo é assinado ainda pelos seguintes cientistas: Uta Ishikawa, Karina Carla de Paula Medeiros, Naisandra Bezerra da Silva Farias e Raimundo Fernandes de Araújo Júnior (DMOR/UFRN); João Paulo Lima e Matheus Anselmo Medeiros, do Departamento de Bioquímica (DBQ/UFRN); Karla Simone Costa de Souza, Ony Araújo Galdino e Adriana Augusto de Rezende, do Centro de Ciências da Saúde (CCS/UFRN) e Moacir Franco de Oliveira (Ufersa).

Fonte: Agecom/UFRN

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