Dum traque de jumento fazem tufão de ventania

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Dia a dia, para poder viver em meio a outros seres humanos, usamos máscaras sociais, as personas, que escondem como é, de fato, nosso caráter. Isso não pode, entretanto, ser motivo para qualquer tipo de condenação de ordem moral. Nossa própria “essência” é contraditória – ou “dialética”, como querem alguns pensadores. Por isso, temos que ser um pouco mais indulgentes conosco. Além do mais, viver em sociedade sempre foi um desafio. Deparamos com injustiças, competições e as mais variadas formas de tolhimento. Para nos preservar um pouco, manter mais ou menos incólume nossa sanidade, precisamos recalcar comportamentos que não condizem com determinados momentos e situações – eis o agir por conveniência, tão prosaico em nosso ambiente de trabalho. A dissimulação e a simulação, como afirmava o cardeal Mazarin,1 são um elemento axial à nossa convivência.

Porém, há exageros e distorções quanto à conduta socialmente desenvolvida por muitos Homo sapiens sapiens, e tal assunto é o que mais nos interessa aqui. Tomemos como exemplo o caso de uma administradora de um grande grupo empresarial da cidade do Natal. Em primeiro lugar, deve-se ressaltar que ela não tem a menor competência para estar à frente da empresa; a posição que ocupa relaciona-se somente ao fato de ser filha de um figurão potiguar. Para conservar-se no poder, usa das mais variadas formas de opressão para com os funcionários: ameaças de demissão, humilhações etc. Quem não tem cabedal impõe-se pelo medo – é a tática do terror, de antiguidade antediluviana. Esse tipo de autoridade, contudo, tende a não durar muito: como dizia Maquiavel, em pleno século XVI, ser odiado não é uma forma eficiente de consolidar-se no poder; o mandachuva que suscita ódio enfrenta, amiúde, conspirações que sobejam por todos os lados e enfraquecem sua autoridade, até suprimi-la de vez.2

A par da praxe de todo medíocre, nossa administradora apregoa um discurso falacioso para continuar mamando nas tetas de sua veniaga. Sempre que lhe dá na veneta – ou tem sua eficiência posta em xeque –, ela se refere ao mestrado que faz na UFRN. Como se isso, apenas, fosse sinônimo de aptidão e idoneidade. Hoje em dia, é muito comum certas pessoas circunscreverem suas pretensas qualidades a um título acadêmico, expediente este que encerra um reducionismo crasso. É-se especialista, mestre ou doutor numa área muito específica. Ninguém pode autoafirmar-se dono da sapiência por causa disso. No dizer espirituoso do professor Sérgio Trindade, esse tipo de gente come cuscuz e arrota camarão – essa é a dieta dos pobres de espírito.

Entretanto, pior que pessoas presumidas são aqueles sujeitos que as bajulam. A empresa a que antes se fez referência é um antro de bajulice no mais deplorável estágio. A nossa administradora sente-se cada vez mais poderosa, também, pela extensa claque que revigora, dia após dia, o seu ego – um eu minúsculo que se traveste de magnificente para cegar os olhos dos beócios e se autossugestionar a crer que serve a um nobre fim. Uma mentira repetida incessantemente torna-se verdade aos olhos do povo. Hodiernamente, vivem-se mentiras que ganham estatuto de verdades límpidas e cristalinas. É a melodia da sociedade imbecilizada e embasbacada na qual vivemos. Em terra de papalvos, subservientes e pusilânimes, quem arremeda galo em poleiro é rei!

Texto originalmente escrito em 2009, quando o autor trabalhava numa empresa privada.

1 MAZARIN, Jules. Breviário dos políticos. São Paulo: Editora 34, 1997.

2 MAQUIAVEL. O príncipe. São Paulo: Hemus, 1996.

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