Novo dinossauro brasileiro: pesquisadora da UFRN participa de descoberta que serve de modelo internacional para a paleontologia

“Observo várias espécies extintas moverem-se em direção do presente e diversas das espécies do presente moverem-se em direção ao passado”. A frase, escrita pelo paleontólogo Peter Wilhelm Lund em 1843, reflete sobre as possíveis descobertas científicas e marcos históricos que poderiam vir a existir no futuro. Hoje, 179 anos depois, prova-se longe de estar equivocada. Um exemplo disso é a descoberta recente de uma espécie inteiramente nova de dinossauro brasileiro, nomeado de Ibirania parva, ou Pequeno peregrino das árvores. A descoberta vem de um trabalho desenvolvido há quase vinte anos por vários pesquisadores, dentre eles a professora Aline Marcele Ghilardi, do Departamento de Geologia da UFRN.

Ibirania parva habitou a Terra há 80 milhões de anos, no território onde hoje está a cidade de Ibirá, no interior de São Paulo. A pesquisa analisou material encontrado na região e descobriu serem pertencentes a três dinossauros diferentes. Ao longo dos anos, a conclusão foi de que tratavam-se de três indivíduos de uma espécie diferente das mais de 40 espécies brasileiras conhecidas até então, sendo excepcionalmente curiosa por divergir até mesmo dentro do próprio grupo por um fator marcante: o tamanho.

Pertencentes ao grande grupo de dinossauros saurópodes, considerados os maiores animais a caminharem em terra firme e também chamados de dinossauros pescoçudos, a nova espécie possuía um tamanho excepcionalmente reduzido, de entre 5 e 6 metros de comprimento e altura similar à de uma vaca.

Infográfico produzido pelos autores mostra localização da nova espécie de dinossauro brasileiro – Foto: dos autores

Para Aline, essas medidas  foram uma grande surpresa para todos os envolvidos, primeiro dentro da comparação de Ibirania com seus companheiros de grupo. “A maioria dos outros dinossauros saurópodes que conhecemos chegava a tamanhos desproporcionalmente grandes. Um exemplo é o Austroposeidon, que também viveu na região do interior de São Paulo por volta do mesmo período que o Ibirania, tendo cerca de 25 metros de comprimento”, conta Aline.

Outro fator surpresa para os pesquisadores foi o geográfico. A espécie nova foi encontrada no interior do Brasil, mas os saurópodes de tamanho reduzido são comumente associados a ambientes de ilhas antigas, como é o caso do Europasaurus, encontrado na Europa. Isso se dá por as ilhas serem ambientes com áreas e recursos alimentares restritos, o que desfavorece a existência de animais herbívoros de grandes dimensões.

Comparativo do tamanho do Ibirania parva em relação a um humano adulto – Foto: Sérgio Lages

O trabalho que descobriu Ibirania parva descreve, portanto, a primeira espécie comprovadamente anã das Américas. “Encontrar essa espécie com tamanho tão reduzido, muito abaixo do que se tinha conhecimento, nos fez pensar em várias possibilidades. A conclusão a que chegamos foi de que o ambiente semiárido da região, com uma sazonalidade marcada por períodos secos muito intensos, foi o que contribuiu para essa anormalidade. Além disso, conseguimos perceber também que Ibirania conseguia habitar e permanecer nos ambientes mesmo durante os períodos de secas mais intensas”, explica Aline.

Possibilidades da pesquisa

Por ter vivido em um contexto muito diferente dos outros dinossauros pescoçudos anões já encontrados, o pequeno peregrino das árvores acrescenta novas informações sobre a evolução e ocorrência de nanismo em dinossauros, sendo um possível modelo de pesquisa para o estudo e descoberta de outros casos atípicos.

Um dos ossos ainda no sítio, no momento da descoberta – Foto: Aline Ghilardi

No período recente da Paleontologia, o que Aline analisa é que existe um momento de transição entre a prática da simples descrição de espécies para um círculo fechado de cientistas e profissionais e uma era de pesquisas que buscam entender melhor as espécies, mapear o seu comportamento e, acima de tudo, socializar esse conhecimento.

Um dos pontos principais reforçados com a descoberta é o melhor entendimento acerca do que estava acontecendo com esses animais no final do Período Cretáceo (cerca de 80 milhões de anos atrás, quando Ibirania parva viveu) e o que fez com que alguns dinossauros de um grupo que estava atingindo tamanhos gigantes seguissem para um caminho completamente diferente.

Aline reforça que, para além de impactos na área da paleontologia, o trabalho abre portas para que a humanidade, coletivamente, entenda mais sobre sua própria história. “Estamos aprendendo sobre o nosso funcionamento e sobre o funcionamento da vida em geral, com todas as suas possibilidades. Isso permite que a gente se entenda melhor como parte do reino animal”, completa a pesquisadora.

O trabalho

Por mais de 15 anos os paleontólogos Aline Ghilardi (UFRN) e Marcelo Fernandes (UFSCar) coletam fósseis no noroeste paulista, numa localidade onde são encontrados abundantes fósseis de dinossauros. Dentre os fósseis recuperados por Marcelo e Aline, estão restos de dinossauros carnívoros, crocodilos, tartarugas e vários outros animais da “Era dos Dinossauros”. Os autores reforçam que Ibirania é apenas uma dessas descobertas, entre outras que estão por vir.

Aline Ghilardi em trabalho de campo no sítio onde foi encontrado Ibirania Parva – Foto: Tito Aureliano

O artigo A New Nanoid Titanosaur (Dinosauria: Sauropoda) From the Upper Cretaceous of Brazil foi publicado na revista científica argentina Ameghiniana e pode ser acessado no site oficial da publicação ou por este link. Também foi produzido um vídeo de divulgação da descoberta, disponibilizado no YouTube.

Participaram do artigo pesquisadores de diversas instituições e nacionalidades, com fomento e incentivo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da iniciativa de divulgação científica Colecionadores de Ossos.

Fonte: Agecom/UFRN

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