Um filme para não passar contaminação: Universidades desenvolvem nova tecnologia na área de alimentos

Cinco universitárias dividem uma casa nas proximidades da UFRN. Em determinado final de semana, Beatriz comeu uma parte de um melão, enquanto que Carol consumiu metade de um mamão. Já Cecília fez um sanduíche caseiro na tarde do sábado para consumir durante o filme que iriam assistir à noite. Luísa fez uma sobremesa de morango com chocolate em um recipiente de vidro. Por sua vez, Valentina já havia separado legumes pela manhã. Todas resolveram guardar na geladeira os alimentos protegidos com um material, popularmente conhecido como papel filme.

O relato ficcional fala de situações do cotidiano e destaca uma necessidade frequente de proteger os alimentos do ambiente externo. No caso específico para essa proteção, um material de embalagem de uso corriqueiro é o popularmente conhecido ‘papel filme’: além de ter a função protetora, assegura maior manutenção da umidade, apresenta características antimicrobianas e é biodegradável. Para potencializar esses e outros aspectos, cientistas da UFRN e da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) criaram um filme antimicrobiano biodegradável, obtido do amido de semente da jaca com óleo essencial de canela.

A descoberta científica resultou, no mês de fevereiro, em um depósito de pedido de patente chamado “Filme antimicrobiano biodegradável do amido de semente de jaca com óleo essencial de Canela cassia”. A junção dos “ingredientes da receita” para criar o produto foi o diferencial na invenção. “A incorporação do óleo essencial de canela ao filme proporciona um período de conservação maior aos alimentos acondicionados devido a sua propriedade antimicrobiana, além de ser ecologicamente correto, não gerando resíduos ou causando impacto ao meio ambiente quando descartado”, explica a doutoranda Eliane de Sousa Costa.

Estudante do Programa de Pós-graduação em Engenharia de Processos da UFCG, ela cita que toda a parte experimental para a elaboração do produto foi especificamente desenvolvida no Laboratório de Controle de Qualidade, localizado no prédio dos laboratórios de Engenharia de Alimentos da UFRN. Eliane frisa que toda a parte do desenvolvimento do produto já foi concluída e analisada quanto às suas propriedades antimicrobianas, sendo relevante destacar ainda que “o filme é um produto alimentício isento de conservantes químicos e segue as recomendações preconizadas pela legislação vigente para este tipo de produto”.

Professora do curso de Engenharia de Alimentos, vinculado ao departamento de Engenharia Química da UFRN, e uma das cientistas envolvidas na invenção, Kátia Nicolau Matsui identifica que a aplicação dessa nova tecnologia é importante para o setor de embalagens, em especial na área de alimentos, por apresentar propriedades de conservação que permitem a extensão da vida útil dos alimentos acondicionados, além da característica biodegradável do material.

Ela acrescenta ainda que a invenção destaca-se como uma alternativa de aproveitamento tecnológico e industrial da semente da jaca, visto que a maioria das sementes são descartadas, causando um enorme desperdício de recursos de amido e amilose, itens importantes na formação de filmes.

Filme antimicrobiano biodegradável é uma alternativa aos filmes oriundos de fonte petroquímica – Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN

As sementes de jaca ocupam 10 a 15% dos frutos inteiros e contêm amido e proteínas abundantes. Têm coloração castanho-clara, forma arredondada, com dois a três centímetros de comprimento, diâmetro variando de um a um centímetro e meio e são envoltas por uma fina membrana esbranquiçada. Até 500 sementes podem ser encontradas em cada fruta. Originária da Índia, a jaca é uma fruta tropical trazida no século XVIII ao Brasil, onde são encontradas três variedades: jaca-dura, jaca-mole e jaca-manteiga.

“O filme antimicrobiano biodegradável é uma alternativa aos filmes oriundos de fonte petroquímica, utilizado para acondicionar alimentos, cosméticos, entre outras aplicações. Esses últimos, por exemplo, quando descartados, se transformam em resíduos sólidos que demoram centenas de anos para se decompor. O filme desenvolvido será totalmente absorvido pelo ambiente, origina-se de uma fonte renovável, valoriza um resíduo como é a semente da jaca, transformando-o em matéria-prima de baixo custo. Por fim, a incorporação do óleo essencial de canela confere a característica de filme ativo, já que atua sobre o alimento, servindo de barreira para a perda de umidade e de aromas, além da inibição do desenvolvimento microbiano e a manutenção da segurança e da qualidade dos alimentos”, descreve Kátia Matsui.

Patenteamento

Com o objetivo principal de inibir o desenvolvimento microbiano – uma das principais causas para a deterioração dos alimentos, a nova tecnologia tem como diferencial essencial o uso do amido de semente de jaca na elaboração de um filme antimicrobiano com óleo essencial de canela. Esse fator distintivo foi constatado durante a busca de antecedência do pedido de patente, etapa preliminar ao depósito na qual se procura identificar se um produto já foi patenteado não só no Brasil, mas também no exterior.

Nova tecnologia tem como diferencial o uso do amido de semente de jaca na elaboração de um filme antimicrobiano – Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN

O grupo de inventores, responsável pela pesquisa, conta, além de Eliane e Kátia, com Josivanda Palmeira Gomes, Inácia dos Santos Moreira, Júlia Medeiros Bezerra, Adriana Ferreira dos Santos e Alexandre José de Melo Queiroz. Para eles, as universidades têm um papel fundamental na inovação que desperta imenso interesse em acadêmicos e profissionais, pois, além de gerar benefícios para a sociedade a partir dos resultados das pesquisas, o patenteamento significa uma fonte alternativa de captação de recursos pela concessão de licença de exploração do invento a terceiros, notoriedade para a instituição e pontuação para o currículo do pesquisador junto aos órgãos de fomento à pesquisa.

O pedido passa a integrar agora a Vitrine Tecnológica da UFRN, grupo de produtos tecnológicos e processos inovadores da Instituição que atualmente conta com mais de 600 ativos, entre patentes e programas de computador. A gestão da propriedade intelectual dessas novas tecnologias, cuja propriedade tem participação da UFRN, é feita de acordo com a Política de Inovação, documento que passou a vigorar em 2022 e que tem, entre os artigos 43 e 73, aspectos específicos que delineiam o tema.

O diretor da Agência de Inovação (Agir), Daniel de Lima Pontes, salienta que um ponto relevante é que a Resolução 135/2018 está totalmente revogada, o que significa que as deliberações sobre gestão da propriedade intelectual a serem levadas adiante têm apenas a Resolução 05/2022 como parâmetro. As orientações e explicações a respeito dos aspectos para patentear uma determinada invenção são dadas na própria Agir, unidade criada em 2007 inicialmente sob a nomenclatura de Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) e localizada no segundo piso do prédio da Reitoria. Entre suas atribuições, a Agência de Inovação é responsável pela gestão da propriedade intelectual, transferência de tecnologia e ambientes promotores de inovação na UFRN, acompanhando e estimulando, por exemplo, as atividades das incubadoras da Universidade, bem como as atividades dos parques e polos tecnológicos.

Daniel de Lima Pontes, diretor da Agir – Foto: Cícero Oliveira – Agecom/UFRN

Segundo a definição do INPI, ter a patente de um produto significa ter o direito de impedir terceiros de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar, sem o consentimento do inventor, o produto objeto de patente ou processo ou produto obtido diretamente por processo patenteado. O titular da patente poderá conceder licença de sua patente a terceiros, mediante remuneração ou não. Se a patente for concedida pelo Instituto, terá validade no Brasil de 20 anos, caso seja uma Patente de Invenção (PI), ou de 15 anos, caso seja uma Patente de Modelo de Utilidade (MU).

Fonte: Agecom/UFRN

Sair da versão mobile