A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) recebeu, na última terça-feira, 14, o patenteamento definitivo de uma nova tecnologia obtida a partir da areia da praia. É, você não leu errado: um grupo de seis cientistas da UFRN e da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) conseguiu o registro de propriedade industrial definitivo do processo de produção e o próprio produto, uma sílica MP1, cujas características têm íntima relação com as propriedades únicas do tipo de solo da areia da praia, como granulometria, basicidade e interações moleculares.
Embora um nome desconhecido, a sílica é um composto de elevado valor agregado, aplicado em diversos setores industriais e, inclusive, considerado um dos principais constituintes da indústria de base moderna. É a principal matéria-prima necessária para a fabricação do vidro, mas também pode ser encontrada na composição de alguns tipos de cimento. Muitos materiais usados para cozinhar, do tipo que resiste a altas temperaturas e que podem ir ao forno, têm sílica na composição. Outra aplicação muito comum é sua forma em gel, usada para prevenir a formação de mofo ao reduzir a umidade em gavetas, por exemplo.
José Alberto Batista da Silva, pesquisador vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Química (PPGQ), orientando da professora Luciene da Silva Santos, do Instituto de Química (IQ/UFRN), e autor da pesquisa de dissertação que foi base do desenvolvimento da invenção, explica que, ao contrário do que se pensa, a areia de praia é um material diferente da areia fluvial (de rio), por exemplo. Ele pontua que a forma, a configuração e a própria aparência externa, bem como as características químicas desses dois materiais, diferem significativamente, por isso os produtos obtidos a partir dessas matérias-primas apresentam características químicas distintas.
Em relação ao processo patenteado, José Alberto realça que a grande facilidade está na utilização de uma metodologia bastante simplificada, de baixo custo energético e econômico, a partir de um material abundante, que é a areia de praia, e um procedimento simples para produzir uma sílica que apresenta características peculiares. “Uma dessas é a acentuada basicidade, característica muito importante em alguns processos industriais, podendo ser utilizada em diversas atividades, tais como adsorção de gases, gás carbônico, adsorção de compostos de enxofre em combustíveis, diesel, gasolina e querosene, na síntese de catalisadores básicos aplicados na síntese de biodiesel, entre outras”, lista o pesquisador.
Valdic Luiz da Silva, outro dos inventores envolvidos, acrescentou que, durante a pesquisa, a tecnologia patenteada, quando aplicada na adsorção de dióxido de carbono (CO2), apresentou capacidade de cinco a seis vezes maiores que as peneiras moleculares obtidas de sílicas comerciais. O grupo é formado ainda por Luciene da Silva Santos, Maritza Montoya Urbina, Etemistocles Gomes da Silva e José Carlos Florêncio de Andrade. Eles pontuam que a mesma metodologia da invenção foi utilizada no processo de redução da quantidade de enxofre em combustíveis como o óleo diesel, obtendo-se resultados bastante promissores. Outra aplicação bastante importante foi a utilização da sílica MP1 na síntese de catalisadores, silicatos de sódio e potássio, procedimentos que integram a produção de biodiesel, como já havia mencionado José Alberto.
Luciene Santos, coordenadora do Laboratório de Tecnologias Energéticas (Labten), vinculado ao Instituto de Química (IQ/UFRN), local onde os testes ocorreram, situa que a tecnologia desenvolvida está definida na technology readiness level (TRL) entre três e quatro. Agora o grupo de pesquisadores está buscando parcerias com empresas ou outros laboratórios para o escalonamento de produção em planta piloto de até um quilo e, futuramente, em escala industrial.
“A metodologia de produção de sílica a partir da areia de praia já está consolidada na bancada, pois todos os parâmetros necessários para a obtenção do material foram estudados, inclusive com a possibilidade de produção em larga escala”, frisa a professora. A Sílica MP1 foi obtida no Labten e é base para quase duas dezenas de produções científicas do grupo, entre teses, dissertações, artigos científicos, capítulos de livros e monografias.
Bora patentear?
O procedimento para um inventor submeter sua descoberta para que seja patenteada tem início no próprio Sigaa, na aba pesquisa, com a notificação de invenção. Em seguida, os pesquisadores enviam os dados dos envolvidos e o texto da patente para o e-mail da Agência de Inovação (Agir). A partir daí, a equipe da Agir dá suporte seja no encaminhamento para ajustes no texto ou solicitando que acréscimos sejam realizados em situações específicas, como no caso do laudo de busca para apontamento de anterioridades. Após esses pontos, a Agência elabora o Termo de Cessão (TC) e o envia aos inventores por e-mail para que sejam colhidas as assinaturas dos depositantes.
Depois do depósito junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), alguns prazos legais precisam ser obedecidos. A partir de então, começa a correr um processo administrativo, em que o Instituto pode pedir explicações de como o produto ou processo é inovador ou, eventualmente, desenhos técnicos e outras exigências formais. Após diversos prazos de requerimentos e manifestações, há o pedido de exame técnico, em que o interessado considera que já demonstrou devidamente que preenche os requisitos para receber uma patente e pede que o órgão decida se a concederá ou não. Todos esses pormenores são acompanhados pela equipe da UFRN.
“A obtenção de uma patente do ponto de vista acadêmico vem coroar todo o esforço de um grupo empenhado em um trabalho de pesquisa científica, neste nosso caso, pertencente ao Laboratório de Tecnologias Energéticas com o importante apoio da direção do IQ e da Central Analítica. O resultado é fruto de muito estudo, dedicação e aprendizado para gerar produtos de valor agregado, culminando com a concessão da patente. Assim, torna-se um grande desafio para todo pesquisador descobrir um novo produto ou uma nova metodologia nunca antes estudada ou produzida, provar a inovação associada à pesquisa científica, além de apresentar a essência do trabalho científico de sempre buscar inovar, criar e produzir meios de melhorar a vida das pessoas”, ressalta Luciene.
Fonte: Agecom/UFRN