Professor em trânsito – Baixa valorização leva profissionais da rede pública de ensino a se deslocarem com mais frequência

Morar numa cidade e trabalhar em outra faz parte da rotina de muitos profissionais da educação. Para conquistar a tão sonhada estabilidade no serviço público ou mesmo uma colocação provisória, esses trabalhadores muitas vezes mudam de cidade (quer dizer, migram) ou passam parte de sua semana se deslocando entre a residência e seu local de trabalho (o que a demografia chama de movimento pendular). Pesquisa desenvolvida na Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) e na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) analisou esse comportamento na região Nordeste e evidenciou que o fenômeno está associado, no primeiro caso, ao surgimento de melhores condições laborais e, no segundo, à instabilidade em decorrência da mudança de contratos efetivos para temporários.

Com o título Docentes do ensino médio no Nordeste: migração e mobilidade pendular entre 2013 e 2017, a investigação, realizada pelos professores do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem/UFRN) Wilson Fusco, Ricardo Ojima, Járvis Campos e Silvana Nunes de Queiróz, baseou-se em dados dos Censos Escolares do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Os elementos norteadores da pesquisa foram construídos a partir da leitura dos bancos de dados, utilizando as informações sobre sexo, idade, unidade da federação (UF) de residência, município e UF do estabelecimento de ensino, além do código de identificação do docente, tipo de contratação, tipo de dependência escolar (pública ou particular) e etapa de ensino.

“Uma vez criadas as variáveis, foi possível avaliar se (e quando) houve mudança de município de residência entre anos consecutivos; se o município de residência atual é o mesmo do estabelecimento de ensino onde o docente atua; e se (e quando) houve alteração no tipo de contrato do docente entre anos consecutivos”, explica o artigo.

Pesquisa revela que índice de mobilidade de professores pode estar associado a condições precárias de trabalho e à instabilidade contratual – Foto: Agência Brasil

A verificação apontou que aproximadamente 126 mil professores estavam presentes no sistema educativo da Região Nordeste no período analisado (valor que se altera entre 2013 e 2017, com queda a partir de 2015), sendo registradas 13.694 migrações, das quais 36% tiveram como destino o município da escola onde o docente lecionava. Segundo os pesquisadores, o motivo da migração revela uma melhora na relação com o trabalho, o que, para uma porção de 50% a 68% deles, refletiu a possibilidade de um cargo de professor concursado.

Entre os que se mudaram para um destino diferente do local da escola onde lecionavam (64%), foi verificada a predominância de contratos para docente temporário/substituto, variando entre 43% e 53% dos migrantes no período. De acordo com os autores da pesquisa, este último cenário pode se tratar de uma situação em que a precarização da relação do trabalho leva os arranjos familiares a definirem as prioridades, ou seja, é condicionado pelas estratégias que otimizam o convívio e a qualidade de vida junto à família, que, devido a fatores diversos, reside em localidade distinta.

Além das informações gerais sobre a região Nordeste, foram levantados dados específicos sobre os estados. A Bahia foi o lugar em que mais houve migração, ao mesmo tempo em que foi registrada a menor proporção de migrantes com destino ao município da escola, especialmente entre 2013 e 2015. Já o Maranhão apresentou menor proporção de migrantes, mas foi onde as migrações ocorreram em maior proporção em direção ao município de localização da escola, diminuindo o índice de pendularidade. Os indicadores levantados sugerem maior valorização da carreira docente no Maranhão do que na Bahia, levando a crer que o estado se destaca por oferecer melhor remuneração, mais investimentos e maior valorização do profissional.

“Também é evidente a grande variação, e sem regularidade, da proporção de migrantes que decidiram pela residência no município da escola ao longo do tempo e entre as UFs. No Rio Grande do Norte, por exemplo, registraram esse comportamento 64% dos migrantes entre 2014 e 2015 e 32,7% entre 2015 e 2016. Na Bahia, a mudança foi ainda maior: a proporção passou de 9,4% dos migrantes entre 2014 e 2015 para 49,5% entre 2015 e 2016. Tais diferenças indicam a necessidade de aprofundamento na análise desses indicadores”, afirmam os estudiosos.

De forma global, a pesquisa demonstra que as dificuldades enfrentadas por professores (assim como por alunos) são acentuadas pela falta de infraestrutura física e funcional das instituições de ensino, das desigualdades e dos problemas históricos relacionados à ausência de investimento. “Nesse contexto, fica clara a necessidade de políticas públicas que promovam a valorização do trabalho docente, não somente para a melhoria do sistema de ensino como um todo, como, também, para que os professores possam migrar ou se deslocar cotidianamente para o trabalho por escolha própria e não serem levados a isso como única opção”, afirmam os pesquisadores.

Apesar de possuir um caráter mais descritivo, os professores acreditam que esse trabalho pode servir como base reflexiva para que mais pesquisas tendo o Censo Escolar como referência possam ser desenvolvidas. “Consideramos que apresentar os dados descritivos sem, é claro, renunciar a reflexões sobre eles é de grande importância para revelar a potencialidade dessas informações e contribuir de modo substancial para estudos sobre a mobilidade populacional, a educação e o desenvolvimento regional”, afirmam.

Os pesquisadores consideram ainda que as adversidades enfrentadas pelos municípios nordestinos são compartilhadas entre eles e as desigualdades nacionais são refletidas no contexto regional.

Fonte: Agecom/UFRN

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