As Cláusulas de Regresso ou de Coobrigação em Contratos de Securitização de Crédito e a Efetividade do Princípio da Segurança Jurídica

FotoReprodução/Locus Iuris

A securitização de créditos é um processo financeiro em que uma instituição financeira, como um banco, agrupa um conjunto de ativos financeiros, como empréstimos, hipotecas, cartões de crédito ou outras dívidas, e os transforma em títulos negociáveis no mercado financeiro.

O objetivo da securitização é criar uma fonte de financiamento adicional para a instituição financeira que realiza o processo, ao vender os títulos a investidores no mercado de capitais. Isso permite que a instituição financeira libere capital que estava anteriormente alocado nos ativos originais, o que por sua vez lhe proporciona a antecipação de recebíveis, a captação de recursos junto a investidores e viabilização financeira da realização de novas operações de crédito.

Esse tipo de operação pode oferecer vários benefícios, como a diversificação de riscos para os investidores, a melhoria da liquidez dos ativos para a instituição financeira e a redução da exposição a riscos de crédito. No entanto, também pode ser complexa e envolver estruturas financeiras sofisticadas.

A securitização de ativos financeiros tem uma longa história no cenário brasileiro. No entanto, até o ano de 2022, não havia um ambiente regulatório claro e sólido, mesmo sendo um setor crucial do mercado de capitais. O marco significativo surgiu com a conversão da Medida Provisória 1.003 de 2022 na Lei 14.430 de 2022, que entrou em vigor em 4 de agosto de 2022, data de sua publicação nos canais oficiais.

Com essa base legal sólida, o setor de securitização no Brasil agora dispõe de um arcabouço regulatório que oferece orientação e segurança às partes envolvidas nesse mercado. Isso promove um ambiente mais transparente e confiável, facilitando o acesso ao mercado de capitais e o financiamento de projetos e operações que dependem desse mecanismo.

A nova legislação delineou regras abrangentes, conferindo à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a responsabilidade de desenvolver diretrizes para a emissão pública de Certificados de Recebíveis e outros instrumentos mobiliários relacionados à securitização. Em resposta a essa incumbência, a CVM prontamente revisou a Resolução 60, adaptando-a às disposições da nova legislação de maneira coerente e precisa.

Tratando especificamente sobre as previsões contratuais entre cedentes e cessionários de crédito, destacamos a possibilidade do estabelecimento de cláusulas de regresso ou cláusulas de coobrigação, nos pactos de securitização de créditos.

No âmbito da CVM, o art. 2º, XV, da IN CVM 356/2001 deixa clarividente a possibilidade de responsabilidade do cedente ou de terceiros:

Art. 2o Para efeito do disposto nesta instrução, considera-se:

XV – coobrigação: é a obrigação contratual ou qualquer outra forma de retenção substancial dos riscos de crédito do ativo adquirido pelo fundo assumida pelo cedente ou terceiro, em que os riscos de exposição à variação do fluxo de caixa do ativo permaneçam com o cedente ou terceiro. (Inciso XV Incluído pela Instrução CVM no 531, de 6 de fevereiro de 2013).

Na senda da legislação cível, o art. 296 do CC/02, deixa claro que o cedente ficará incumbido do pagamento da dívida, somente se houver previsão contratual nesse sentido, ou seja, efetivando o princípio do pacto sunt servanda: Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor.

As cláusulas de coobrigação podem ser acordadas, para uma variedade de situações, tais como:

1. Riscos de Crédito: se os ativos subjacentes à securitização apresentarem um desempenho pior do que o esperado e houver perdas relacionadas, o cedente pode concordar em ressarcir o cessionário, parcialmente ou totalidade dessas perdas.

2. Vícios nos Ativos: se forem identificados defeitos ou irregularidades nos ativos que afetem sua legalidade ou valor, o cedente pode ser responsável por ressarcir o cessionário, o que inclui a ocorrência de questionamentos judiciais dos créditos.

3. Falhas na Documentação: se houver falhas na documentação ou na transferência dos ativos, que prejudiquem a capacidade do cessionário de recuperar os fluxos de pagamento esperados, o cedente pode ser responsável por resolver essas questões e/ou ressarcir o cessionário por eventuais perdas.

As cláusulas podem ser personalizadas para abordar outras circunstâncias específicas, que as partes considerem relevantes para sua transação de securitização. É imprescindível, desse modo, que os termos sejam cuidadosamente negociados e detalhados no contrato de securitização, de modo a serem claras e abrangentes quanto às obrigações e condições envolvidas.

O STJ, efetivando o princípio da segurança jurídica, confirmou a validade da cláusula de coobrigação em contratos de cessão, conforme Recurso Especial nº 1.909.459/SC, da 3ª Turma:

“CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS. CESSÃO DE CRÉDITO PRO SOLVENDO. CLÁUSULA CONTRATUAL QUE ESTIPULA A RESPONSABILIDADE DO CEDENTE PELA SOLVÊNCIA DO DEVEDOR. VALIDADE”.

Os envolvidos devem, portanto, manter um acompanhamento apurado sobre a ocorrência das previsões contratuais. O cessionário deve ter o mapeamento estruturado dos fatos geradores de ressarcimento. Já o cedente tem que ser diligente, quando auditar as questões atinentes à coobrigação e/ou aos ressarcimentos.

Os fundamentos mencionados traduzem proteção à confiança contratual; legitimam o princípio da boa-fé e prestigiam a segurança jurídica, em um mercado importante à nossa conjuntada de crescimento sustentável. A securitização de ativos financeiros tem o potencial de desempenhar um papel fundamental na promoção do acesso ao crédito e na estimulação do investimento no Brasil, traduzindo ser um pilar sólido e contributivo nos aspectos social e econômico, nos termos do art. 170, de nossa Constituição Federal.

*Advogados Marcos Delli Rodrigues e Weuder Martins

Crédito da Foto: Reprodução/Locus Iuris

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