Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes: um necessário despertar

Foto: Reprodução/Fadc.org.br

No ano de 2023 esteve nos principais cartazes dos maiores cinemas do Brasil e mundo o filme “Sound of Freedom” (Som da Liberdade). O referido filme retrata o rapto de crianças e adolescentes para fins comerciais de exploração sexual por redes de pedofilia espalhadas pelo globo. As crianças retiradas sorrateiramente dos seios familiares são levadas para outros estados e até mesmo países, a fim de servirem como objetos sexuais de adultos.

Tal encenação, longe de demonstrar mero roteiro artístico e hollywoodiano, teve como plano de fundo e motivação a história real vivida pelo agente de polícia Tim Ballard, que em seu ofício se deparou com verdadeiras organizações criminosas especializadas na exploração sexual de crianças e adolescentes. O filme manifesta um dos maiores dramas ocultos da sociedade, os maus tratos e a redução da condição humana das crianças e adolescentes explorados por verdadeiros financiadores dessas práticas nefastas.

A representação mimética encontra perfeita correspondência com a realidade presente em nosso país. Apenas nos 4 (quatro) primeiros meses de 2023, o Governo Federal do Brasil reportou aproximadamente 17,5 mil violações sexuais contra Crianças e Adolescentes [1]. Nesse período, contabilizou-se 69,3 mil denúncias e 397 mil violações de direitos humanos de crianças e adolescentes, das quais 9,5 mil denúncias e 17,5 mil violações envolvem violências sexuais físicas – abuso, estupro e exploração sexual – e psíquicas.

Além dos dados acima citados, durante os anos de 2015 a 2021 foram registrados cerca de 202.948 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Desse número, 83.571 (41,2%) dos casos de violência foram contra crianças (0 a 9 anos) e 119.377 (58,8%) praticados contra adolescentes (10 a 19 anos) [2].

Esse cenário coloca o Brasil no 2º lugar do ranking mundial de exploração sexual de crianças e adolescentes do mundo. Por dia, os dados demonstram que 320 crianças e adolescentes são explorados sexualmente no Brasil. Conforme o Jornal dos Agentes de Saúde do Brasil (JASB) [3], esse número ainda pode ser maior, pois apenas 7 em cada 100 casos são denunciados. A análise ainda mostra que 75% das vítimas são meninas e, em sua maioria, negras.

Some-se a isso outro dado – o desaparecimento de crianças e adolescentes. A Sociedade Brasileira de Pediatria revela que, por ano, cerca de 50 mil crianças e adolescentes brasileiros somem, totalizando mais de 130 por dia. Os principais destinos dessas crianças são maus tratos, adoção ilegal, trabalho escravo, remoção de órgãos, tráfico humano e exploração sexual [4].

Como visto, estimasse que de cada 100 casos de Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, apenas 7 são denunciados. Ou seja, 93% dos casos sequer são reportados às autoridades públicas, para fins de adoção das medidas cabíveis de prevenção ou redução de danos.

No Brasil, a legislação penal, embora incipiente no assunto, possui mais de 14 (quatorze) previsões legais de tipificação de práticas de crimes sexuais e sua exploração cometidos em detrimento de crianças e adolescentes. A título de exemplos, o art. 217-A, do Código Penal, prevê ao adulto que praticar conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 (quatorze) anos a pena que gravita entre 8 (oito) e 15 (quinze) anos de reclusão.

O art. 241-D, do Estatuto da Criança e Adolescente, por sua vez, prevê que aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso, a pena é de 1 (um) a 3 (três) anos de prisão, e multa. O Código Penal tem ainda dicção legal no art. 218-B que pune a prática do favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança (0 a 12 anos incompletos) ou adolescente (12 anos completos a 18) com pena que varia de 4 (quatro) a 10 (dez) anos de reclusão.

Consigne-se que o Brasil é signatário de diversos tratados e convenções internacionais de combate à exploração e tráfico sexual de Crianças e Adolescentes. O enfrentamento global ao tráfico internacional de pessoas para fim de exploração sexual pode ser observado mediante documentos universais, como a Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), o Protocolo Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças, além da instituição do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC).

O Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado transnacional relativo à prevenção, repressão e punição do tráfico de pessoas, em especial mulheres e crianças, adotado em Nova York e incorporado ao direito brasileiro, através do Decreto n.º 5.017 de 12/03/04, considera mulheres e crianças como pessoas vulneráveis ao tráfico de pessoas.

Assim, considerando como vulneráveis e necessárias à adoção especial de mecanismos de proteção às crianças, vale-se o Brasil, em casos de tráfico de crianças e adolescentes para exploração sexual em outros países, de mecanismos de cooperação internacional, de contato direto com as principais policiais internacionais do mundo, adicionando os suspeitos, quando identificados, na difusão vermelha (red notice). Vale destacar ainda que em casos tais, o Código Penal possui legislação dotada do princípio da extraterritorialidade.

No tráfico internacional de pessoas, o Código de Processo Penal ainda informa da possibilidade de o delegado de polícia requisitar que as operadoras de telefonia e plataformas digitais apresentem a geolocalização das vítimas ou dos suspeitos em tempo real – as quais deverão apresentar de imediato. É o que se convencionou chamar na doutrina de cláusula de reserva de jurisdição temporária.

Dessa forma, o que se observa é um caminhar para o combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, seja no âmbito nacional – por meio dos Conselhos Tutelares, Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), Defensoria Pública, Ministério Público e Delegacias Especializadas, seja ainda por órgãos internacionais de cooperação. Contudo, os números demonstram que esse caminhar se dá de forma trôpega, carecendo de pressa nas medidas cabíveis de repressão à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.

Com isso, muito embora as informações acima sejam tétricas, é nítido que tal preocupação ainda não aportou na pauta dos órgãos oficiais do Governo e pela Sociedade Civil com a preocupação que merece. Os dados alarmantes ainda não tiveram eco sonoro suficiente para despertar a sociedade de seu sono comatoso – que infelizmente vitima milhares de crianças e adolescentes por ano em nosso país.

*Advogado Diego Alves Bezerra.

Referências

[1] https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2023/maio/disque-100-registra-mais-de-17-5-mil-violacoes-sexuais-contra-criancas-e-adolescentes-nos-quatro-primeiros-meses-de- 023#:~:text=Em%20todo%20o%20ano%2C%20os,e%2030%20mil%20viola%C3%A7%C3%B5es%20sexuais

[2] https://g1.globo.com/politica/noticia/2023/05/18/brasil-registrou-2029-mil-casos-de-violencia-sexual-contra-criancas-e-adolescentes-de-2015-a-2021-diz-boletim.ghtml

[3] https://www.jasb.com.br/2023/07/Brasil.html

[4] https://canalcienciascriminais.com.br/brasil-exploracao-sexual-de-criancas/

Crédito da Foto: Reprodução/Fadc.org.br

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