#MeuMomento: Viagem sem filhos (e sem culpa)

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– Por favor, a senhora poderia abrir a sua bolsa?, pediu o agente de segurança, assim que minha mala passou pelo raio X no aeroporto.

– Claro!, respondi, surpresa, já que nem imaginava o que poderia gerar qualquer tipo de desconfiança.

Quando me dei conta, eu havia levado, sem querer, o pacote de lenços umedecidos. Não, não era apenas uma daquelas embalagens normais, era uma tamanho-família que eu havia comprado em uma promoção. O agente me liberou, mas ficou claro que ali estava um casal aflito na primeira viagem sem os filhos, que, aliás, ainda nem tinha começado”, diverte-se a fisioterapeuta pediátrica Juliana Pardal, 39 anos, mãe de Lorenzo, 6, e Liz, 4, ao se recordar da história.

Apesar da angústia até chegar no destino, os quatro dias na Argentina com o marido, o engenheiro Fabrício Pardal, 39, foram inesquecíveis.

“Logo que entrei no avião, procurei na bolsa a câmera fotográfica e não a encontrei. Meu filho havia tirado a máquina para acomodar um desenho que havia feito para me surpreender. Meus olhos se encheram de lágrimas e eu contei os minutos para o voo de apenas quatro horas acabar e, finalmente, poder ligar e agradecer o mimo. Quanto às fotos…  bem, o celular nos salvou”, diz.

Assim como Juliana, uma viagem sem as crianças é sonho de muitos pais. Daquelas sem hora para almoçar, esticar o jantar para tomar um vinho sem pressa, fazer passeios mais demorados ou simplesmente passar o dia em uma espreguiçadeira à beira-mar. Mas antes de terminar o doce pensamento, você se lembra que precisa dar banho, lavar as mamadeiras, preparar o jantar, checar se a mochila está completa para o dia seguinte. Mais uma vez, a vida real fala mais alto e os dias de folga sem filhos ficam para depois. Mas, após terminar de ler esta reportagem, isso vai mudar. Pelo menos, esse é o nosso objetivo.
“O casal vem antes do filho. Isso é uma verdade que precisa ser reforçada. A chegada de uma criança marca também o surgimento do papel de pais. A nova função traz alegria e realização, mas também preocupações e um novo arranjo da rotina. É natural que o casal deixe a vida a dois em segundo plano. Isso não pode, no entanto, ser permanente. É preciso estimular o encontro com o parceiro para renovar o desejo pelo outro e, assim, aprender a integrar a união do casal à paternidade”, explica a psicanalista Haydée Côrtes, da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro.

NOVO PEDIDO DE CASAMENTO:

Foi justamente para cuidar da relação que a médica veterinária Christine Prisco, 42, fez uma surpresa para o marido e o convidou para uma viagem de 21 dias entre a Califórnia e o Havaí (EUA). Mãe de Christos, 7, e Yohan, 6, Chris enxerga nos passeios uma forma de se fortalecer como mãe, profissional e mulher. Ela viajou sozinha, a trabalho, pela primeira vez quando o caçula tinha apenas 1 ano. Foram cinco dias fora. No ano seguinte, ficou dez dias no exterior pelo mesmo motivo. “Quase enlouqueci. Ao mesmo tempo em que era muito bom respirar, me alimentar, tomar banho sem pressa, ir ao banheiro sem ninguém plantado na porta, aquilo tudo também não fazia mais parte da minha realidade. Parecia um sonho, mas quando batia a saudade, tudo virava um pesadelo. Eu sofri todos os dias, mas valeu porque consegui olhar para mim. E isso não acontecia havia quatro anos, contando as gestações”, diz Christine.

Foi quando ela resolveu surpreender o marido com o convite da viagem e recuperar a relação que estava esfriando. “Ele ficava mais tempo com os meninos e nunca havia viajado sem eles, por isso, sofreu mais do que eu durante os dias que passamos juntos. Eu lembro que quando chegamos na Califórnia, ele colocou um porta-retrato dos meninos ao lado da cama. Eu odiei, porque era horrível olhar para a foto todos os dias. Aquilo me lembrava que eles estavam longe, e me gerava muita angústia porque, pela primeira vez, eles estavam sem a mãe e o pai”, conta Chris.

No entanto, se o objetivo era melhorar a relação, a ideia deu mais do que certo. “Ele me pediu em casamento de novo embaixo de uma cachoeira linda no Havaí. Foi inesquecível. Por isso, sempre digo para os amigos que me perguntam sobre viagem sem filhos. A saudade é grande, mas o prazer de estar com seu parceiro em um lugar paradisíaco e se redescobrir como mulher e como casal é fundamental para você dar maior importância ao dia a dia”, reflete Christine.

“Apesar de difícil, a realidade é que pais e mães estão sempre sobrecarregados, estressados e exaustos. É natural que deixem de se olhar como antes da chegada dos filhos. Por isso, preservar os momentos a dois na rotina e planejar uma viagem juntos é uma forma de treinamento para recuperar a troca de olhares, as conversas sobre qualquer assunto, exceto filhos, e o amor que gerou aquela família. Deixar o parceiro de lado é como economizar nos freios do carro. Em um futuro breve, os problemas graves provavelmente aparecerão. No caso da família, pais desconectados prejudicam os filhos”, alerta Ailton Amélio da Silva, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP).

PERMISSÃO PARA SE DIVERTIR:

Tomar essa decisão pode não ser fácil para todo casal. E está tudo bem. Foram 11 meses de conversa até que a artista plástica Sonia Valhões, 33, finalmente aceitasse a proposta do marido, o empresário Silvio Valente, 37, de passar um feriado longe da filha Lia, 3. “Ele queria viajar de avião para outro estado. Eu bati o pé e disse que iria de carro para uma cidade próxima. Tinha pavor de depender de horários de voo, caso precisasse voltar. Enquanto eu sofria, Lia pulava pela casa, toda animada em ficar com os padrinhos. A cada peça de roupa que eu colocava na mala, as lágrimas caíam junto. Até que meu marido chegou, viu a cena, e disse que não queria mais ir. Argumentou que deveria ser um prazer, e não um sofrimento. Eu paralisei. Lia também. Discutimos e, quando me vi, lá estávamos eu e minha filha tentando convencê-lo a viajar. A situação se inverteu”, diverte-se Sonia.

Silvio topou, claro. “Eu insisti nessa viagem porque percebi que minha esposa precisava de um tempo dela. Eu sempre a incentivei a viajar sozinha, mas ela nunca se interessou. Minha iniciativa, então, foi convidá-la para uma viagem a dois. Foram apenas três noites, mas no ‘tempo dos pais’, dormir sossegado três noites inteiras em uma boa cama de hotel equivale a três semanas”, conta Silvio, gargalhando. “Os dias foram tão incríveis que não chorei nenhuma vez. E todas as vezes que falamos com Lia, ela estava ofegante de tanto brincar com os primos. A próxima viagem a dois está sendo organizada por mim e será em maio deste ano”, conta Sonia.

“A sensação de culpa, tão congruente com a maternidade, impede que muitas mulheres permitam-se separar por um breve período dos filhos, mesmo que essa seja sua vontade. Se você está se divertindo, logo vai se questionar se aquela atitude não é egoísta. Nada disso. A sábia decisão de viajar sem filhos é fundamental para a saúde mental da família. Se a relação dos pais tem laços fortes, eles irão cuidar melhor dos filhos. Pais felizes e realizados são mais saudáveis psicologicamente e farão uma paternidade melhor”, afirma a psicóloga Alessandra Alves Ramos, especializada em psicologia clínica, autora do perfil @amparopsicologico.

E aí, vamos arrumar as malas? A seguir, veja algumas dicas para que tudo saia dentro do planejado e ninguém sofra com a breve separação:

Está certa disso?

Apesar de todos os benefícios que alguns dias longe das crianças podem trazer, essa decisão é apenas sua. Não adianta marcar a viagem e sofrer todos os dias, contar os minutos para o retorno e nunca mais repetir a dose. “Antes de ir, faça o seu melhor na organização da rotina dos filhos. Depois, use a inteligência emocional para não sentir culpa e aproveitar os dias a dois. Caso contrário, você não faz nem uma coisa nem outra. Ou seja, não fica com os filhos nem curte a viagem e o parceiro”, explica a ginecologista e obstetra Érica Mantelli, especialista em saúde sexual.

1, 2, 3 testando…
Se você não sabe se irá suportar ficar uma semana ou mais longe dos filhos, comece com um fim de semana. Uma ou duas noites longe de casa já são suficientes para você perceber se será capaz de segurar a onda longe da cria por mais tempo. De quebra, ainda pode testar se a sua rede de apoio é eficiente para uma estadia maior.
Monte uma boa estrutura: Se você vai viajar sem os filhos, precisa ter certeza de que ficarão bem e vão curtir a experiência. O ideal é deixá-los com quem eles tenham intimidade, de quem gostem e que também tenha disponibilidade para cuidar deles sem tirá-los da rotina.
Organização é a palavra:

1. Comece pelos documentos. Separe certidão de nascimento, carteirinha do convênio e todos os telefones do pediatra e deixe com o cuidador.

2. Se possível, leve seu filho ao pediatra antes da viagem para garantir que está tudo certo com a saúde dele.

3. Deixe anotados os medicamentos de uso diário (doses e horários).

4. Se o seu filho vai ficar em outra casa, monte malas com todos os tipos de peças de roupa que poderão ser utilizadas e em quantidade extra. É sempre melhor sobrar do que faltar. Separe também objetos afetivos do seu pequeno, como o travesseiro, a naninha, o brinquedo preferido, o tablet para assistir ao desenho que mais gosta. Isso traz conforto e ajuda a controlar a ansiedade.

5. Avise na escola e nas outras atividades (inglês, natação) que estará ausente e deixe o contato de quem deverá ser procurado, caso necessário.

Que tal uma babymoon?
Quando completou dez anos de casados, a bancária Daniela Kruger, 34, e seu marido, o microempresário Reinaldo Kruger, 36, decidiram fazer uma viagem sem o filho Daniel, que tinha 5 anos. O desejo de Reinaldo era ir a Paris, mas Daniela preferiu economizar algumas horas de voo e escolheu Cancún. “Assim que fechamos a viagem, nós explicamos brevemente para o Daniel, mas só voltamos ao assunto uma semana antes do dia do embarque”, relata Dani. Durante a preparação da viagem, uma descoberta: ela estava grávida! “Além de comemorar o aniversário de casamento, ainda pudemos fazer uma babymoon, viagem romântica antes da chegada da nossa filha”, conta Daniela. O pequeno Daniel ficou com a avó materna. “É cada vez mais comum esse tipo de viagem. Os casais aproveitam para fazer o enxoval do bebê e curtir os últimos momentos a dois”, explica Jacqueline Dallal, proprietária da agência Be Happy, especialista em viagens para casais. Se está nos seus planos uma babymoon, o primeiro passo é conversar com o seu obstetra. Ele vai orientá-la sobre os cuidados necessários. Em geral, os especialistas indicam que a gestante viaje durante o segundo trimestre. É nesse período que a mãe costuma se sentir melhor e mais disposta e o risco de aborto espontâneo diminui. Já a reta final exige precauções, porque o parto fica mais próximo. Além da liberação do médico, faça um seguro de viagem com cobertura para gestantes ou verifique se o seu plano de saúde cobre a cidade para onde vai. Também inclua na mala seus últimos exames.

Controle a ansiedade
É por volta dos 8 anos que as crianças começam a ter noção de tempo. Antes disso, é difícil para elas entender qual é a duração de uma semana, por exemplo. Por isso, converse com seu filho sobre a sua viagem com cerca de sete dias de antecedência, no máximo. Esse papo deve ser verdadeiro e objetivo. Diga para onde você vai, mostre fotos do lugar e conte quando retornará. Se, por acaso, a criança perguntar por que não pode ir junto, diga que papai e mamãe precisam de um tempo para ficar juntos, como faziam antes do nascimento dela e que têm de tirar alguns dias de férias da rotina.

Ganha-ganha: Para os pais, o tempo sem as crianças é importante para se reconectar como casal e até sentir saudade da rotina. Para os filhos, ficar longe dos pais por um breve período é saudável, já que eles desenvolvem autoconfiança, aprendem sobre a individualidade dos pais e passam a confiar e contar com outras pessoas.

Mantenha contato: Se possível, faça uma ligação por vídeo todos os dias. Além de perguntar sobre a rotina do seu filho, conte detalhes que possam ser interessantes para ele e demonstre satisfação em estar ali. “É importante que a criança perceba que os pais estão tendo prazer naquele momento a dois”, ressalta o psicólogo Ailton.

Atenção no retorno: É fato que você vai querer trazer uma lembrança da viagem para o seu filho. Mas, além do presente, prepare momentos especiais. Vale deixá-lo dormir com você, fazer piquenique… Um jeito inesquecível de matar a saudade.

Programe surpresas
Cartas para serem abertas todos os dias no café da manhã: “Encomendamos uma caixa de correio de brinquedo e deixamos envelopes fechados com o dia da semana em que cada mensagem deveria ser aberta. Todos os dias, meus pais colocavam a carta correspondente ao dia na caixa e deixavam em cima da mesa. Minhas filhas abriam na maior empolgação do mundo.”
Renan Savério, empreendedor, 42 anos, pai de Melissa, 8, e Mariah, 5

Pistas pela casa
“Comprei alguns mimos e programei pistas para serem espalhadas pela casa a cada dia, de forma que meus filhos tivessem uma atividade diferente e lembrassem de nós. A babá montava o caça ao tesouro enquanto eles estavam na escola. Durante a chamada de
vídeo, à noite, comentávamos sobre a brincadeira.”
Talita Freitas, corretora de imóveis, 38 anos, mãe de Lucas,
6, e Isadora, 3

Uma aventura-surpresa
“Quando chegou na metade da viagem, liguei para o meu filho e disse que naquele dia ele poderia convidar a vovó para almoçar no restaurante e que o dinheiro para pagar a conta estava na gaveta da cômoda. Ele estava aprendendo a lidar com números e ficou muito empolgado com a aventura.”
Daniel Macedo, advogado, 41 anos, pai de Felipe, 9

Calendário exclusivo para eles
“Para ajudar nossos filhos a lidarem com o tempo em que estaríamos fora, criamos um calendário. Todos os dias, eles pintavam um quadrado e contavam quantos ainda
faltavam para a nossa volta.”
Juliana Marques, analista de recursos humanos, 35 anos, mãe dos gêmeos Tiago e Felipa, 4

Fonte: Revista Crescer

Imagem: Getty Images

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