Crônicas da Velha Ribeira (6)

Um bom “nome de guerra” sempre foi comum às chamadas mulheres de vida fácil, que, em muitos casos não era assim tão fácil.

E na Boate Arpege, reinado de madame Francisquinha, alí na esquina da rua Chile com travessa Venezuela, essa regra também imperava.

Porém, “Georgia Morelli”, era realmente uma exceção, não só pelo pomposo nome italiano, mas, principalmente pela beleza da criatura que por ele atendia. Alta, pele muito alva, corpo perfeito, ela era o sonho, a obsessão daquele mancebo, jovem empregado de um armazém das redondezas, que a vira nas comemorações de fim de ano, quando patrão, embalado por um excelente resultado financeiro, levara seus funcionários para uma farra na Boate Arpege.

Mas, Georgia Morelli tinha um “dono”, um “coronel”…

Sim, porque naquela época – em fins dos anos cinquenta p´ra começo dos sessenta – isso ainda era moda, por aqui. E a gostosona do coronel era sempre intocável. Bem, digamos que, quase sempre…

E aquele coronel, além de evidentemente endinheirado, era, também, dos mais brabos. Mas a paixão avassaladora do pobre comerciário encorajava-o e ele armou seu plano: por esse tempo, a “tabela” para se ter as graças de uma inquilina do Arpege, era obra de uns duzentos cruzeiros.

Pois o cabra juntou mil!

E, no Banco do Povo, trocou-os por uma daquelas notas chamadas “abobrinhas”, novinha e estalando. Enrolou-a feito papel de cigarro, guardou-a no bolso da camisa, de modo a que ficasse à mostra uma pontinha dela e subiu as escadas do Arpege, nem bem a noite caiu.

Era em torno das oito, oito e meia da noite que as “meninas” desciam pro salão, no primeiro andar – porque as alcovas, ficavam no segundo.

Mas ele sabia que o coronel, patrono de Georgia só chegava depois das nove, conforme observara noites e noites, durante a preparação do seu plano de ataque. Assim, postou-se numa mesa ao pé da escada de acesso ao segundo andar e ficou à espera.

Quando Georgia desceu, limpinha, cheirosa, para fazer sala enquanto seu coronel não chegava, ele chamou-a, timidamente. Com a indiferença própria aos seres superiores, quando olham para os menos afortunados, ela o fitou com indisfarçável desdém, mas, antes que desviasse a vista, ele apelou: “olhe o que tenho para você” – disse, apontando para a nota de mil, bem enroladinha e que sobressaia do bolso de sua camisa. Majestosamente e sem dizer nenhuma palavra, ela fez meia-volta e começou a subir a escada, no rumo de seu quarto. O que se passou alí ninguém sabe, ninguém viu. Mas a cara do felizardo, quando ele voltou ao salão traduzia a certeza de que aqueles mil cruzeiros, arduamente economizados, foram muito bem aproveitados…

E, pouco depois, numa mesa afastada e saboreando uma cerveja geladinha ele viu o coronel receber Georgia Morelli, novamente fresquinha e cheirosa, certamente convencido de que aquela era sua primeira “descida” e que, mais tarde, quando fosse “degustar” aquele pitéu, estaria “inaugurando o placar”…

Foto: Tereza Cristina

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