CRÔNICAS DA VELHA RIBEIRA (16)

O macaibense João Leiros Filho, mais conhecido como “Leirinhos”, fazia por onde merecer o apelido carinhoso.

Cidadão educadíssimo, maneiroso, de fala mansa e que nunca se alterava, era vendedor ocasional, sem vínculo empregatício – o chamado free lancer – até porque tinha um emprego fixo com atividade externa, o que lhe proporcionava vasto conhecimento entre a população natalense e enxergou nisso a oportunidade de ganhos extras, sob a forma de comissões, intermediando vendas de móveis e eletrodomésticos para as lojas Utilar, Casa Régio, Casa das Máquinas e Bazar Doméstico, as mais expressivas do ramo em Natal no início dos anos sessenta.

Sempre muito asseado, bem vestido e perfumado – gostava e uma camisa de linho bem passada, com vinco ressaltando nas mangas compridas – Leirinhos não era homem de muitas posses materiais.

Seu maior patrimônio eram a honestidade e a correção com as quais intermediava as vendas de fogões, geladeiras, liquidificadores, ferros elétricos e que tais, para as citadas lojas, vendas essas efetuadas geralmente entre o pessoal da periferia, que constituía o forte de sua “freguesia”. Ele conhecia praticamente todo mundo nos bairros mais afastados e só trazia vendas para pessoas que primavam pela pontualidade e pelas quais se responsabilizava.

Como empregado das Lojas Utilar – que tinha sua matriz na Tavares de Lira, onde funciona hoje a empresa Mar e Pesca, e uma das filiais na esquina da Câmara Cascudo, na qual eu trabalhava como vendedor – fiz muitas vendas por intermédio de Leirinhos, que já trazia o negócio todo “mastigado”.

Era só emitir a Nota Fiscal e preparar as duplicatas – cujo processo, partia de uma matriz de papel parafinado, depois levada ao mimeógrafo à álcool para reproduzi-la em quantas cópias correspondessem ao prazo concedido – que ele levava à casa do freguês e as devolvia assinadas e avalizadas, quando isso se fazia necessário.

Certa vez, porém, Leirinhos me procurou todo misterioso.

Em vez da abordagem direta e objetiva que usualmente fazia quando vinha tratar um novo negócio, depois de vários “arrodeios”, preâmbulos e meio em tom de confidência, disse-me que tinha vendido uma máquina de costura a um amigo seu, um velho que morava perto da 15…

A “15” era a Bernardo Vieira de hoje, naquela época somente um ou dois quarteirões nas proximidades do cruzamento com a atual Salgado Filho que, por sua vez, era conhecida apenas como “a pista”, em razão a estrada asfaltada construída pelos americanos durante a Guerra.

Seguiu-se então o seguinte diálogo:

– Bem, Leirinhos, me dê os dados e o endereço do home para eu poder mandar faturar e deixar a máquina em sua casa.

– Não, não, Aurino. A máquina num é p´ra mandar p´ra casa dele!

– É para um pessoa de quem ele gosta e que mora nas Quintas…

– Ah, quer dizer que o velho safado tem uma rapariga? Provoquei meio

zombeteiro.

– Não, meu amigo. Não é bem isso.

E Leirinhos assumiu um certo ar filosofal quando me respondeu, com jeito e quem sabe das coisas:

– Essa, é a mulher que compreende ele…

Sair da versão mobile