Crônicas da Velha Ribeira (68)

O AMACIAMENTO

Aqui no fim da avenida Rio Branco, esquina com a rua Sachet, funcionou durante anos a firma J.L.Fonseca, dos empresários João Lúcio Fonseca – que se tornou conhecido como “Joca da Ford” – e Clóvis Cirilo, que revendia caminhões e camionetas da marca Ford. Naqueles primeiros tempos de operações comerciais na área automobilística aqui no Estado – estamos falando do período compreendido entre o fim dos anos 1940 e começo dos 1960 – os veículos que eram importados, aqui chegavam de navio. Mas os que já eram montados no Brasil, precisamente em São Paulo, na região do ABC paulista, onde as montadoras concentraram suas instalações, vinham por outros meios.

Os menores – carros e camionetas – eram transportados por caminhões de carrocerias abertas, geralmente sobre “cargas baixas”, enquanto que os caminhões novos vinham rodando mesmo. Todavia, em muitos casos, camionetas e automóveis também eram trazidos p´ra cá dessa maneira. E tem, comprovadamente, o registro de um Volkswagen que veio de avião, por exigência do comprador. Oscar Dantas de Medeiros, seridoense da gema, cunhado de João Lúcio, que migrou para São Paulo onde ganhava a vida como taxista, começou a fazer um serviço extra, que era conduzir – do pátio das montadoras até a entrada da Via Dutra – os compradores de caminhões daqui, que iam pega-los na fábrica. Começou fazendo isso para a firma do cunhado, mas logo passou a ser conhecido e é difícil encontrar um matuto nordestino que tenha ido buscar um caminhão novo de qualquer marca em São Paulo, que não tenha utilizado os serviços dele.

Com a implantação e crescimento do parque industrial automobilístico no ABC, a convivência praticamente diária, durante anos, de Oscar com as montadoras levou-o a enxergar novas oportunidades e em sociedade com o empresário mossoroense Camilo Paula, titular da firma Paula Irmãos & Cia, com sede na praça Augusto Severo, aqui nesta Velha Ribeira, fundou a “Transzero”, que viria a se tornar uma das maiores empresas do Brasil, no transporte de carros “zero km.”

Apesar de haver se tornado um empresário poderoso, Oscar nunca perdeu o contato com suas origens. Empregava razoável contingente de nordestinos e organizou até mesmo um núcleo residencial no bairro do Belenzinho, na Capital paulista, onde moravam dezenas de motoristas e outros funcionários da “Transzero”, com suas famílias.

Bem, os mais velhos, certamente, conhecem o antigo costume de “amaciar o motor”, que era, ao se comprar um carro novo, passar determinado tempo andando devagar, bem devagar. E Oscar, ainda nos primeiros tempos em que se mudou para São Paulo, vez por outra, trazia um caminhão novo, ou camioneta, rodando para a firma do cunhado. Sempre foi bom motorista e era considerado “pé de chumbo”, epíteto que se pespegava aos cabras que gostavam de “atolar o pé” no acelerador dos carros que dirigiam. Daí que, certa vez, ele veio trazer uma camioneta Ford Roquete, zero quilômetro, que tinha sido vendida a um matuto das bandas do Seridó. Um motorzão daqueles, V-8, com potência para arrastar um caminhão carregado com várias toneladas, precisava lá ser amaciado!

Aquilo havia passado por mil testes de aceleração, aquecimento, potência e que tais, antes de ser acoplado à camioneta. Oscar desligou o velocímetro, meteu o pé na bicha e tirou de São Paulo p´ra cá em dois dias. Isso num tempo em que asfalto tinha até Feira de Santana, na Bahia. O que quer dizer que a viagem foi feita numa velocidade média de uns 120 quilômetros por hora…Desnecessário será frisar que o comprador – que ia diariamente à revendedora pra saber se sua camionete havia chegado – ficou satisfeitíssimo quando foi avisado que a mesma estava sendo recebida e que ele poderia pega-la na dia seguinte. Quando ele apareceu, ela tinha sido lavada no posto de Manoel Virgulino (hoje, de Bezerrinha, aqui vizinho ao antigo SAPS) e tava limpa e brilhosa. Feliz da vida, pegou o rumo de sua cidade e passou os primeiros trinta dias andando nela bem devagarinho…

…Para “amaciar “ o motor!

Imagem: Google Maps

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