Crônicas da Velha Ribeira (83)

Publicidade

Mário Lima

Em fins dos anos 30, nesta cidade dos Reis Magos as atividades mercantis, industriais e bancárias concentravam-se na área compreendida pelas avenidas Tavares de Lira, Duque de Caxias e ruas Chile, Dr. Barata e Frei Miguelinho, aqui na Velha Ribeira.

Na pacatez da cidade, poucos, muito poucos, tinham consciência de que avizinhava-se o maior conflito mundial de todos os tempos: a Segunda Grande Guerra, eclodida em setembro de 1939. Pois foi nesse mesmo ano, que o jovem Mário Marques Lima – ainda não tendo atingido a maioridade oficial dos dezoito anos, porém dono de um elevado tirocínio comercial, que o destacava entre os de sua época – mudou-se da cidade de Pedro Velho para a Capital, estabelecendo-se na Frei Miguelinho, com uma casa especializada em “secos e molhados”, comércio que manteve durante muitos e muitos anos.

Conheci-o em 1962, quando, entre outras funções que exercia no banco onde trabalhava, tinha a de recolher depósitos nos diversos estabelecimentos comerciais aqui sediados, um deles justamente o armazém de Mário Lima. O convívio quase diário no exercício desse mister, nos aproximou, tornamo-nos amigos e nos dezesseis anos seguintes, período em que fui bancário, pude testemunhar sua postura de comerciante probo, equilibrado e muito respeitado entre seus pares.

Sua seriedade na condução dos negócios, contrastava com a postura boêmia que adotava nas horas de folga – que não eram muitas – e, segundo o advogado Dr. Fábio Luiz Lima Saraiva, seu neto e autor de memorável texto lido durante a missa de sétimo dia de seu falecimento, Mário Lima soube aproveitar muito bem esses momentos em companhia de amigos, entre os quais o historiador, escritor e folclorista Luiz da Câmara Cascudo, maior expressão de nossa cultura, com o qual costumava dividir uma rodada de cerveja nos bares da cidade.

Aliás, segundo relata o neto, na mesa que dividia com o ilustre intelectual, Mário Lima, que tinha apenas o estudo fundamental, mas era formado na universidade da vida, onde aprendeu, com a dureza do trabalho, as ciências indispensáveis à administração de seu negócio, a bebida servida podia ser cerveja – que tomava também sem estar geladinha, como gostam os brasileiros – uísque, cachaça, o que viesse, afinal. Sua vida profissional foi pautada por uma regra fundamental ao comerciante – hoje chamado de empresário – aplicada com sabedoria na condução do seu negócio: a incorporação de lucros.

Isto é, agregar à firma os lucros obtidos com a atividade, para solidificar o empreendimento, aplicando fora deste, apenas o capital ganho acima das necessidades do giro. Agindo assim, amealhou razoável patrimônio ao longo do tempo em que manteve seu armazém. Nos anais do imenso folclore em torno deste velho bairro da Ribeira, existe um fato pitoresco envolvendo sua pessoa, relatado por gente que o conheceu e privou de sua amizade.

Consta que o também comerciante e seu amigo Miguel Carrilho de Oliveira certo dia abordou-o e, com a intimidade que os unia, perguntou-lhe porque ainda não tinha casado…Não se tem registro sobre a resposta, mas o fato é que pouco depois Miguel Carrilho e sua esposa, D. Lourdinha, apresentaram-lhe outra Lourdinha, aquela que veio a tornar-se sua esposa, “até que a morte os separou”. Quando aposentou-se – acho até que isso nunca aconteceu com ele – Mário Lima, não aguentando a ociosidade da aposentadoria, fundou a padaria Puro Trigo, uma das mais bem aparelhadas da cidade, hoje administrada pelos filhos.

Só andava à pé e recusava caronas oferecidas pelos amigos – isso aconteceu várias vezes, comigo. Morreu aos noventa e cinco anos, em consequência de uma queda sofrida na calçada da descida da Rádio Potí, molhada pela chuva. Tremenda ironia do destino para com um homem que foi muito equilibrado durante toda a vida.

Sair da versão mobile