Ultrapassando as fronteiras do invisível

Adentrar espaços mínimos da vida humana, por meio da nanomedicina, é quase como lidar com a quarta dimensão, já que interagir com um microverso de células e moléculas é bastante desafiador, mesmo com o auxílio das nanopartículas. A empreitada de conseguir formular fármacos em escala mínima, da ordem de um bilionésimo de um metro, é significativamente complexa, mas estratégica no tratamento de doenças graves, a exemplo do câncer.

Pesquisas desenvolvidas na área pelo Laboratório de Investigação do Câncer e Inflamação (LAICI), do Departamento de Morfologia da UFRN, têm esse intuito. O trabalho procura melhorar o desempenho de medicamentos no tratamento do câncer ou detectar alterações no corpo humano, com o objetivo de elaborar e melhorar estratégias de recuperação de pacientes que estão na fase de quimioterapia.

Um dos protagonistas dessa missão é o professor Raimundo de Araújo, mestre em Odontologia e doutor em Ciências da Saúde, ambas as pós-graduações pela UFRN, e pós-doutor em Oncologia experimental pela Faculdade de Medicina (USP) e, mais recentemente, pela Universidade de Leiden, Holanda. Dedicando-se, ao longo de sua vida, ao estudo do câncer, sua área de pesquisa atual no LAICI é a nanomedicina, focando em projetos que auxiliem no tratamento dessa doença com o bloqueio de metástases.

Líder do grupo de pesquisa Alterações Morfológicas, Modulação Farmacêutica e Nanomedicina nesse laboratório, o professor Raimundo Fernandes utiliza modulação farmacéutica em seus estudos, pesquisando medicamentos cuja aplicação convencional seja diferente a fim de verificar sua eficácia em outras doenças. “Atualmente, sou líder desse grupo de pesquisa que investiga como esses fármacos, usados para outras doenças, agem em processos inflamatórios do cerne das minhas pesquisas”, explica.

A partir disso, o professor Raimundo Fernandes pesquisa tecnologias capazes de enfrentar os tumores. Essa ciência, considerada nova, utiliza polímeros — compostos químicos, formados por longas repetições de uma ou mais moléculas —, substâncias químicas metálicas naturais, oriundas de células do corpo, e outros compostos em escala nanométrica para melhorar a efetividade de drogas que já existem ou que estão sendo formuladas. Esse fenômeno, chamado de delivery, resulta no aumento do tempo de ação de determinada droga, em escala nanométrica, e na facilidade de entrada no leito tumoral, ultrapassando todos os obstáculos presentes em um tratamento convencional. “Para se ter uma ideia, uma nanopartícula tem um tamanho que vai 1 a 100 nanômetros”, acrescenta.

Graças à ajuda do professor Arnóbio Antonio da Silva, do Departamento de Farmácia (DEFARM/UFRN); do professor Luiz Gasparotto, do Instituto de Química; e do grupo TNI (Translational Namomedicine Image), da Universidade Leiden (Holanda), as nanopartículas foram sintetizadas para serem utilizadas nas pesquisas do LAICI. Com a sintetização desenvolvida, Raimundo planeja associar as nanopartículas a quimioterápicos ou imunomoduladores, que serão testados em células de câncer.

Resultados

O pesquisador do LAICI atenta para o fato de o grupo está dedicado ao estudo de nanopartículas e, nessa temática, drogas para processos inflamatórios e para o câncer. Quando realizou estudos na Holanda, ele produziu um projeto com nanopartículas biodegradáveis visando a diminuir o tamanho do tumor causado pelo câncer colorretal. Outro êxito, obtido a partir do mesmo projeto, foi a diminuição da quantidade de medicamentos utilizados para o tratamento da doença. “A nanopartícula tem a possibilidade de combinar diferentes fármacos, em doses às vezes cem vezes menores do que o convencional, porque ela serve também para diminuir ou zerar os efeitos colaterais [da quimioterapia]”, ressalta Raimundo.

A vantagem desencadeada a partir disso é a diminuição tanto no número de doses, quanto nos efeitos colaterais, contribuindo para melhorar o tratamento do câncer. Os resultados dessa pesquisa com o carcinoma colorretal foram apresentados no dia 20 de novembro, no evento do V Simpósio de Qualificações do Programa de Pós-graduação de Biologia Estrutural e Funcional (PPGBIOEF/UFRN).

A diminuição do tumor primário do câncer, aquele que dá origem à doença, permitiu a construção de mais um projeto. O grupo conseguiu isolar vesículas de células tumorais, já que a nanopartícula utilizada conseguiu modular uma célula imunológica, tornando-a mais forte para combater o cisto. Além disso, com essas vesículas, eles formaram outras nanopartículas, capazes de bloquear a metástase em alguns dos animais usados nos testes. “houve regressão tumoral e, quando fizemos as análises para verificar o tumor dos animais, não havia problemas nem no fígado e nem no pulmão”, explica o professor.

Segundo Raimundo, é importante destacar que os cistos não retornaram nos organismos estudados porque, quando se modula negativamente, combatendo o tumor primário, é possível reduzi-lo a ponto de sumir completamente, impedindo a metástase, ou seja, a fase mais agressiva da doença, quando os tumores atingem outros órgãos. “O motivo disso é que as nanopartículas têm a capacidade de combater tanto a célula tumoral quanto o ambiente que a envolve. O Instituto Europeu de Patentes (EPO) já é responsável por patentear essa ideia”, destacou.

Biossensores

Os biossensores são dispositivos nanométricos utilizados para captar informações sobre alterações no estado e no funcionamento de seres vivos, como proteínas secretadas por vírus. Raimundo relata que já desenvolve projetos relacionadas a esse tema. “Tenho pesquisas já publicadas com nanopartículas de ouro com o objetivo de fazer diagnóstico, pois elas servem tanto para acompanhar a evolução do câncer como para tratá-lo”, assegura.

Esse tipo de composto dá condições de associar fluoróforos, componentes que dão luminosidade a uma partícula. Assim, é possível realizar o rastreamento, acompanhando o tumor por imagem, utilizando a nanopartícula. Por também contribuir com a terapia, ela é chamada de nanoteranóstica. A pesquisa foi premiada em Londres ano passado, no evento da British Society of Pharmacology.

Ainda que haja conquistas, o projeto do grupo que Raimundo de Araújo comanda enfrentou alguns empecilhos para ler uma nanopartícula. “Outro aluno está participando da formulação de uma patente, embora tenhamos dificuldade — além das que já existem para realizar pesquisa científica no Brasil, porque elas só são realizadas superando esses obstáculos — de conseguir o contraste para poder ler e mapear a metástase dos animais nos nossos trabalhos”, completa.

O professor do LAICI reitera a vantagem das nanopartículas. “O tumor cria vasos sanguíneos irregulares e, como as nanopartículas são pequenas, conseguem passar entre eles até o tecido afetado”, afirma.

No momento, os estudos dele são voltados para esses compostos químicos em sua forma metálica, além do uso do PLGA (sigla em inglês para o polímero de ácido lático e glicólico) e exossomos obtidos com pedaços de células. Basicamente, Raimundo investiga nanopartículas da área farmacêutica, testando com animais, mas sem efeitos colaterais, dado que são doses muito pequenas, entretanto com grande potencial. Sobre o efeito dos compostos em escala mínima, acrescenta que o grupo coloca alguns compostos ao redor da célula tumoral para enganá-la, porque ela os engloba e o laboratório deflagra a morte dela.

O professor também almeja criar um banco de tumores para realizar pesquisas avançadas sobre o câncer. “A gente não para nunca. Em dezembro, inicio os estudos com exossomos fora do Brasil”, completa.

Fonte: UFRN

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