Biotecnologia no universo microbiano

Micróbios: mocinhos ou vilões? Esses seres minúsculos, que só podem ser vistos com auxílio de microscópio, são mais conhecidos pelos problemas que causam à saúde dos seres humanos. O que se sabe pouco, no entanto, são os benefícios dos microrganismos em aspectos variados da vida terrestre. Atualmente, a ciência conhece menos de 1% da diversidade microbiana, ou seja, 99% das espécies ainda estão inexploradas. Surge, então, a grande curiosidade: o que o mundo microbiano pode nos trazer?

Esse questionamento impulsiona as pesquisas da professora do Departamento de Biologia Celular e Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Lucymara Fassarella Agnez Lima, que concentra suas atenções na descoberta de novos genes dos microrganismos capazes de proporcionar mecanismos com aplicação biotecnológica, isto é, o desenvolvimento de tecnologias a partir de conhecimentos da biologia.

Entre as aplicabilidades estudadas está a biodegradação de hidrocarbonetos  – eliminação de poluentes a partir do uso de bactérias. Essa poderia ser a solução, por exemplo, para remediar o aparecimento de petróleo no litoral brasileiro em 2019, quando toneladas do produto foram encontradas nas praias de diversos estados. “Os biorremediadores atuam consumindo o poluente, como se fosse alimento, e o degradam como fonte de energia. O processo, se totalmente limpo, vai gerar água e gás carbônico”, explica a pesquisadora.

Para concretizar esse mecanismo, Lucymara Fassarella coordena a prospecção de bactérias no Laboratório de Biologia Molecular e Genômica (LBMG/UFRN). “Isolamos microrganismos em diferentes ambientes e os testamos para saber seus potenciais como degradadores. Depois fazemos combinações entre espécies para formar o que chamamos de consórcios, já que nenhuma espécie degrada todos os tipos de hidrocarbonetos. O petróleo, por exemplo, é uma mistura de vários hidrocarbonetos com características químicas distintas, por isso, usamos diferentes bactérias para melhorar a atividade de degradação”.

Entre as pesquisas desenvolvidas no LBMG está a busca por biorremediadores, que são organismos capazes de reduzir, remover ou remediar contaminações no ambiente (Foto: Anastácia Vaz)

A pesquisa foi uma das 15 selecionadas em todo o Brasil no edital Entre Mares, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que tem como objetivo apoiar projetos em temas correlacionados à finalidade de combater, analisar o impacto e propor soluções para o derramamento de óleo de 2019. O financiamento de 24 meses garante a continuidade do trabalho desenvolvido há mais de 10 anos pelo grupo da UFRN, liderado por Lucymara Fassarella, que ao longo do tempo já isolou mais de 60 microrganismos em laboratório.

Selo de qualidade

O LBMG recebeu amostras do petróleo recolhido em praias do Rio Grande do Norte e de Pernambuco, que serão usadas para testes com microrganismos. “Vamos selecionar as bactérias a partir do próprio ambiente que está contaminado. Isso porque os organismos degradadores existem em qualquer lugar, mas quando há contaminação, os que digerem o poluente se proliferam mais. Tentaremos isolar esses microrganismos, pois é a saída mais ecológica, visto que buscamos elementos já existentes no local e não introduzimos espécies novas. Dessa forma, há menor tendência de um impacto ambiental”, detalha a professora.

O trabalho em laboratório consiste na multiplicação das amostras de organismos, que passam por testes para confirmar seu tipo e, dessa forma, assegurar que não se tratam de espécies patogênicas – que produzem doenças. Caso não haja riscos, a pesquisa segue o desenvolvimento de formulações para o tratamento de contaminantes, com obediência a uma rigorosa legislação. A partir dos resultados, espera-se remediar os impactos do último derramamento de óleo e garantir que os órgãos brasileiros estejam preparados para possíveis desastres ambientais no futuro.

Além do edital Entre Mares, as pesquisas na área de biorremediação culminaram na aprovação nos editais Conecta e Centelha, que viabilizam a criação de startups dentro do laboratório da UFRN. Para a pró-reitora de Pesquisa da instituição, Sibele Pergher, as conquistas de apoio externo evidenciam o reconhecimento da excelência universitária. “Os órgãos financiadores buscam grupos de alto nível. Portanto, a aprovação de projetos da UFRN atribui um selo de qualidade ao que é produzido aqui”, destaca. A pró-reitora adiciona a relevância de outra conquista da pesquisadora Lucymara Fassarella, recentemente promovida ao nível 1A como bolsista de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Infografia: Jaime Azevedo

Para se ter ideia, do universo de aproximadamente 1.200 professores da UFRN, menos de 10% são bolsistas de produtividade e apenas oito são de nível 1A, o mais alto que se pode alcançar. “Esse é o topo da carreira científica dentro do CNPq e representa o reconhecimento de toda a comunidade da área, pois o número de cotas para essa categoria é bem restrito. Eu era pesquisadora nível 1C e esperava ser promovida para 1B, mas fui surpreendida com a bolsa 1A, o que me permite concorrer a editais exclusivos para esse grupo”, comemora Fassarella.

A ascensão dentro do CNPq foi possível graças à qualidade das pesquisas desenvolvidas e à forte inserção internacional da professora, conforme enfatiza a pró-reitora Sibele Pergher, que considera o avanço importante também para a instituição, já que os programas de pós-graduação são avaliados pelo número de professores e pesquisadores.

Nova proteína

Exemplo de repercussão internacional é a recente publicação de artigo na revista Scientific Reports, do grupo Nature, que anunciou a descoberta de uma nova proteína biossurfactante, ou seja, com atividade emulsificante, que promove a mistura de dois ingredientes que não associariam sozinhos – água e óleo, por exemplo. Intitulado MBSP1: a biosurfactant protein derived from a metagenomic library with activity in oil degradation, o artigo é fruto da tese de doutorado da pesquisadora Sinara Carla da Silva Araújo, sob orientação da professora Lucymara Fassarella. A pesquisa também rendeu um depósito de patente submetida ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI).

“Descrevemos um gene completamente novo, desconhecido na literatura e identificado por meio da abordagem de metagenômica, estratégia utilizada pelo laboratório. Os biossurfactantes conhecidos normalmente são moléculas mais complexas, e nós descobrimos um peptídeo que tem atividade biossurfactante sozinho. Isso deve permitir o avanço de produção em larga escala”, esclarece a orientadora da pesquisa. O próximo passo, portanto, será aumentar a escala de produção da nova proteína para uso nas diferentes áreas da indústria, como de higiene, petróleo e alimentícia.

Lucymara Fassarella explica que os testes de estabilidade dos biossurfactantes são realizados com hidrocarbonetos como diesel, gasolina, querosene e óleo de cozinha (Foto: Anastácia Vaz)

Fonte: Agecom/UFRN

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