Pandemia causou redução de 14% no número de cirurgias no RN

Pandemia impediu 12 mil cirurgias no Rio Grande do Norte - Foto: Alex Régis

Durante o ano de 2020, deixaram de ser realizadas 12.818 cirurgias em todo o Rio Grande do Norte, no comparativo com o ano de 2019. Com a rede hospitalar afetada pela pandemia do novo coronavírus, o Governo do Estado viu a necessidade de suspender as cirurgias eletivas, ou seja, aquelas que não impactam num risco iminente à vida do paciente.

O fenômeno se repetiu em todo o país, onde 1 milhão de procedimentos deixaram de ser realizados no ano passado. Ainda não há previsão de quando o ritmo de operações cirúrgicas voltará à normalidade, porque depende da melhora no cenário pandêmico, mas somente nos dois primeiros meses de 2021 já foram realizados mais de 13 mil procedimentos no Estado.

As cirurgias eletivas foram suspensas em março de 2020 e permaneceram assim até agosto, em decorrência de medidas de segurança para os pacientes e como forma de garantir mais leitos para pacientes infectados pelo novo coronavírus.

Enquanto em 2019, sem pandemia, a rede hospitalar do Sistema Único de Saúde (SUS), seja estadual ou de gestão municipal gerenciada pelo Estado, executou 91.708 procedimentos de todos os tipos, em 2020 esse número caiu para 78.890, ou seja, uma redução de 14%, segundo dados do Data SUS, departamento de informática do Sistema Único de Saúde.

A fila de espera por uma cirurgia chegou a 8 mil pacientes em 2020. O balanço é feito a cada quadrimestre e o primeiro deste ano ainda não foi concluído. Nele já estará incluída a dona de casa Enia Flávia Nogueira, de 41 anos.

Desde o mês de setembro ela descobriu que sofre de endometriose profunda, uma doença caracterizada pela inflamação das células do endométrio, tecido que reveste o interior do útero, que crescem e causam lesões em outras partes do organismo. A partir de então, ela vem necessitando de uma cirurgia de histerectomia total, quando é retirado o útero na sua totalidade, com colectomia, para remover a totalidade ou parte do cólon, mais conhecido como intestino grosso.

“Consegui fazer alguns procedimentos no Hospital Onofre Lopes. Fiz todos os exames, o risco cirúrgico, e recebi o encaminhamento para internação que tem validade de seis meses, mas já me informaram que não tem data prevista para acontecer”, contou a paciente.

O medo de Enia é o mesmo de todas as pessoas que precisam realizar uma cirurgia, mesmo que não seja de emergência, e não sabem quando isso acontecerá. “Eu temo que a doença avance porque, como é infiltrativa, pode comprometer qualquer órgão, como já comprometeu meu sistema reprodutivo. Meu medo é que se alastre para outras partes do meu corpo e eu venha a piorar”, desabafou.

Além do perigo da doença a acometer de forma mais brusca por causa da demora em realizar o procedimento, ao final dos seis meses, Enia precisará de novo encaminhamento, podendo até ser necessário realizar todos os exames novamente, inclusive alguns, que ela precisou pagar na rede privada para agilizá-los.

No caso dela, se o prazo expirar e a cirurgia não acontecer, será preciso conferir se o encaminhamento foi inserido em lista na Secretaria Municipal de Saúde e ser reavaliada em ambulatório de referência para, mais uma vez, ser encaminhada à cirurgia. Atualmente, as cirurgias como a dela, de histerectomia, de hérnia e de vesícula são as de maior demanda dentro do quadro de cirurgias gerais. Por isso, quando forem liberadas, o número de pessoas à espera deverá pressionar o sistema de saúde, já compelido pela pandemia.

A Sesap ainda não estimou um prazo para voltar à normalidade dos procedimentos cirúrgicos que estão suspensos. Na última portaria, do dia 5 de abril, o secretário estadual de Saúde, Cipriano Maia, determinou que a Sesap faça o monitoramento epidemiológico da covid-19 para garantir a retomada dos serviços assim que for possível.

Retomada depende da pandemia 

Apesar das cirurgias eletivas ainda estarem suspensas através da Portaria 1053, do último dia 5 de abril, o Governo do Estado começou a retomar o serviço ampliando a permissão para, além daquelas consideradas urgentes, também serem realizadas as cardíacas e oncológicas.

Enia Nogueira, de 41 anos, tem endometriose, mas não há previsão para a cirurgia – Foto: Adriano Abreu

O documento também recomendou a retomada dos serviços ambulatoriais vinculados às instituições de ensino para que atendessem com 50% de sua capacidade. A recomendação da Portaria se estende à todas as unidades que compõem a rede SUS no RN e na rede suplementar.

A coordenadora de regulação e avaliação em saúde da Secretaria Estadual (Sesap), Viviane Lima da Fonseca, explicou que ainda em setembro de 2020 o Governo começou a retomar as cirurgias eletivas através do programa “Mais Cirurgia, Mais Saúde”.

A proposta do programa, além da retomada imediata, foi a expansão dos procedimentos para regiões onde a oferta não existia, como o Hospital Regional Josefa Alves Godeiro, de João Câmara, que não fazia cirurgia há oito anos; e o Hospital Regional Monsenhor Expedito, em São Paulo do Potengi, que há dois anos estava sem realizar procedimentos cirúrgicos.

Para isso, a Sesap intensificou as ações nos serviços próprios, estruturando com insumos e equipes para utilizar os espaços que receberam equipamentos pelo Projeto Governo Cidadão e de emendas parlamentares. A primeira etapa do programa está orçada em R$ 6,1 milhões.

Neste ritmo, em janeiro e fevereiro deste ano, foram feitos 13.254 procedimentos em toda a rede de assistência SUS do Estado. Porém, com o agravamento da pandemia, foi preciso suspender novamente as eletivas.

“Ficamos observando a ocupação dos leitos covid e, aí, no dia 22 de fevereiro a portaria 635 suspendeu novamente, mas as ortopédicas, vasculares, as judicializadas ou caracterizadas como urgência e emergência, ou que colocasse em risco a vida do cidadão, foram mantidas”, frisou Viviane.

Foram suspensos, então os atendimentos eletivos, que não impactam risco iminente à vida da pessoa. Além disso, as atividades ambulatoriais de apoio ao diagnóstico ou de consultas eletivas também precisaram ficar paralisadas. “Durante todo o mês de março tivemos pico de solicitações por leito covid, com mais de 150 por dia, por isso houve a necessidade de recomendar a suspensão, inclusive na rede privada”, ressaltou a coordenadora de regulação.

Viviane faz uma ressalva em relação às cirurgias ortopédicas, que apresentavam grande demanda. “O programa Mais Cirurgia zerou a fila de pacientes que esperavam por cirurgia no Hospital Walfredo Gurgel e também estendeu ao Hospital Deoclécio Marques, em Parnamirim e Tarcísio Maia, em Mossoró”, disse.

As cirurgias vasculares do Hospital Ruy Pereira, que estão sendo realizadas no Hospital Pedro Germano (Hospital da Polícia Militar), em Natal, por terem natureza de urgência relativa e emergência, bem como as cirurgias pediátricas no Hospital Maria Alice Fernandes, em Natal, e ginecológicas no Hospital Ana Bezerra, em Santa Cruz continuaram acontecendo.

País teve 1 milhão de cirurgias suspensas 

Em todo o país, apenas no sistema público de saúde, a pandemia do novo coronavírus fez suspender cerca de R$ 1,3 milhão de cirurgias não urgentes em 2020 para atender o número crescente de pacientes com a doença, segundo o boletim da ABIIS – Aliança Brasileira da Indústria Inovadora em Saúde, com dados do Datasus.

Para se ter uma ideia da dimensão desse fato, as internações para realização de cirurgias no Sistema Único de Saúde (SUS) tiveram uma redução de 25,5%, de acordo com o levantamento do Anuário da Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Produtos para Saúde (Abraidi).

O setor estima que, em comparação com o ano anterior, houve uma queda de 8,3% em relação às cirurgias do SUS e de 40,4% nos procedimentos realizados pela saúde suplementar. Isso se refletiu no mercado de insumos hospitalares.

O cancelamento, a suspensão ou o adiamento de cirurgias causou um “encolhimento” do mercado de dispositivos médicos implantáveis, materiais e equipamentos de apoio, que passou de US$ 2,8 bilhões em 2019 para US$ 2,1 bilhões em 2020. Segundo a Abraidi, esse resultado produziu uma queda média em torno de 50% no faturamento das empresas associadas. Em algumas regiões do país e em certas especialidades atendidas, a queda tanto de faturamento quanto de volume cirúrgico chegou a 90%.

Concorreram para esse resultado, além da redução de cirurgias eletivas e do consumo de materiais médico-hospitalares, fatores como problemas logísticos nacionais e internacionais. Restrições à circulação de produtos impostas por alguns países e a alta de preços dos fretes aéreo e marítimo também pesaram no desempenho do setor.

Crédito das Fotos: Alex Régis e Adriano Abreu

Fonte: TRIBUNA DO NORTE

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