Paisagem do impossível

Publicidade

Daqui apouco eles chegam com a bola debaixo do braço. Duas horas. Eu já me adiantei. Aproveitei que papai tava dormindo e saí de fininho. Daí posso escolher o melhor lado do campo e…O campo? Cadê o campo? As traves? O que foi que aconteceu aqui? Um supermercado? Tô entendendo nada. Vô na casa do Luquinhas agora saber! Quê? O Luquinhas se mudou faz tempo? Mas ontem a gente tava jogando bafo! Não pode ser… Não pode ser… Não pode ser…Bem, o Luquinhas morava na casa da avó. Tava de favor. Então pode ser. Pode ser que seu pai tenha comprado uma casa. Mas Luquinhas num veio nem se despedir dos amigos… Acho que deve ter ficado triste. O pessoal da casa ficou tudo olhando pra mim com cara de assustado. Colocaram um troço no ouvido do tamanho da caixa de um sabonete. Eu, hein! Parece que é tudo doido!

Sem ao menos esperar, senti um toque em minha mão. Era uma garota. A mais bela que eu já tinha visto. Sorrindo, se ofereceu para atravessar a rua comigo. Eu, todo bobo, aceitei. E quem não aceitaria? Quando atravessamos juntos a rua, ela se despediu. E nem ao menos perguntei seu nome. Ora bolas!

Entrei em uma mercearia pra comprar uns chicletes e, não sei porque, me cederam lugar. Como se eu fosse assim alguém especial. A moça do caixa gritou três vezes ao meu ouvido o valor dos chicletes. Moça, posso ser ainda criança, mas não sou nenhum retardado!, respondi e todos que estavam atrás de mim na fila riram da minha ousadia. Até a moça que havia sido histérica comigo.

Tentei fazer uma bola com o chiclete, mas, por um motivo que não sei explicar, apenas salivei. Talvez fosse a marca do chiclete. Então cuspi. Nesse momento, um carro freou em cima de mim. O motorista colocou a cabeça pra fora e começou a me xingar. Estirei o dedo médio de volta e disse coisas que com certeza faria minha mãe lavar minha boca com uma barra de sabão. Algumas pessoas que estavam ali por perto tomaram minhas dores e foram pra cima do motorista, que deu no pé. Perguntaram meu nome e onde eu morava. Um ponto de referência –no mínimo para dizerem ao meu pai. Claro que dei um nome de uma rua que não existia. Só assim meu pai e minha mãe não saberiam que quase fui atropelado hoje. Posso ser criança, mas sou um garotinho muito esperto!

Não sei se foi o sol na cabeça naquela tarde, mas comecei a ficar tonto. Justamente depois de tanto esperar pelos outros garotos – aqueles sacanas, acho que me pregaram uma peça! Com certeza eles sabiam que tinham construído um supermercado no lugar do velho campinho e então disseram que o jogo hoje ia ser lá. Eu, de besta, fui. Mas o jogo foi em outro campinho. O perto da feira. Com certeza foi isso! Então me sentei numa calçada e fiquei chupando um picolé. E quem passava por mim ficava só me olhando. Ué?! Agora é crime um boy chupar um picolé na sombra de uma calçada? VÃO CAGAR RODANDO!, dizia a quem passava olhando pra mim, e continuei com meu picolé! Só que deu vontade de mijar. Eu vou procurar um poste e…e…mijei…mijei nas calças! Como assim? O que mamãe vai dizer quando pegar esse calção sujo de mijo…

–Papai! –gritou uma mulher que saía de um carro com dois homens de jaleco branco.

– Mamãe… mamãe eu… eu… fiz xixi e…

– Tudo bem, papai, a gente vai te levar. O senhor deu um susto grande na gente! – disse, abraçando-o.

Sorte que ele vem pra cá. Ele sempre vem pra esse bairro, falou um dos homens de jaleco branco.

Imagem: Dreamstime

 

Sair da versão mobile