Sobre o que se cala

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Eu nunca fui bom em matemática. Só tenho simpatia pelos números quando os vejo subjetivamente como uma espécie de incerteza quântica. Mas a culpa não foi inteiramente minha. Bem, foi em parte. O problema está justamente “nessa parte”, que fica do lado direito inferior do meu cérebro; responsável pela intuição e pela criatividade — diz a neurociência e um amigo cientista e professor, o qual começou outro dia um debate comigo. Descobri isso respondendo a um teste de dominância cerebral proposto por ele.

Ainda, segundo esse meu amigo, disciplina e uma condição favorável podem fazer com que qualquer “indivíduo” faça “qualquer coisa”, ao refutar a minha tese romântica de dom natural. Não posso culpar o meu amigo cientista por pensar o mundo de forma empírica. Porque o cérebro dele age do lado esquerdo, oposto ao que tenho mais afinidade.  Como também não pude deixar de pensar que por “lógica” eu não deveria estar aqui escrevendo esse artigo. Pois não tenho formação alguma – sou pouco instruído- embora insistente no que faça.

Confesso que assino como “escritor” esse texto e tantos outros que já escrevi, porque simplesmente me proponho a escrever — da mesma forma como poderia assinar como “encanador” ou “pedreiro”, se tivesse habilidade para tal. Porque talvez a escrita seja mesmo uma função motora que todo primata possa desenvolver se estimulado em consonância com alguma carga genética que se carrega.

Mas daí me vem à cabeça exemplos de Genet, que abandou a escola aos 13 anos de idade partindo para uma vida criminosa, escrevendo suas obscenidades de cócoras em papéis racionados da prisão de Santé na segunda guerra mundial. Ou Henry Miller saindo de algum pardieiro pulguento em Clichy até um cabaré, e de volta, até sua máquina de escrever. Arthur Rimbaud e Paul Verlaine, sujos e famélicos, compondo seus versos no Inferno de Bruxelas. Todos eles exemplos de trabalhos e vidas fantásticas, mas de métodos caóticos.

Gosto da ideia de mundo como a do filósofo austríaco Wittgenstein (1889-1951), que propõe em seu Tractatus logico-Philosoficos (1921): O mundo é o lugar onde as coisas se relacionam. Uma representação da linguagem, criada pela lógica. Pois o que está além da linguagem é o “inefável”, a “experiência mística”.

Deus, amor, morte — É lá onde qualquer proposição de sentido para qualquer significado é um absurdo; onde a “experiência” mística só pode ser vista ou sentida que a linguagem se torna ineficaz — porque há apenas o “silêncio”: contemplativo e inexprimível, pois Sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar como está sentenciado brilhantemente em um dos aforismos do livro.

O que os eletrodos colados à cabeça nunca vão entender é que o “artista” fala a língua dos anjos. É em “Pasárgada” que habitam. Ou você nunca se perguntou, por que passamos tanto tempo absorto numa pintura? Ou por que há poemas, paisagens, que nos tocam?

Jesus falava por “parábolas”. Nenhum profeta ou santo viu a face de “Deus” e permaneceu impune. Há apenas os relatos de sensações. Talvez porque a dinâmica nesse plano aja de uma forma que nos seja completamente incompreensível. Uma forma de comunicação de um canal particular.

Na “arte” encontramos um pouco disso. Dessa comunicação estranha e ao mesmo tempo tão familiar. Pois se manifesta de forma sinestésica. Assim podemos entender a mensagem de um quadro, mesmo que ele esteja calado. Ou quando lemos um poema ou escutamos uma música, e em nossa mente formamos uma “imagem”.

Foi assim quando li um trecho de O Idiota de Dostoiévski dentro de um ônibus, a caminho do trabalho. Quando algumas lágrimas arriscavam cair dos meus olhos, e eu, com vergonha dos outros passageiros que estavam ali, tentando disfarçar. Ainda estava na metade do livro, quando suspenso, pensei: “o que é que precisa me dizer mais?” Com a nítida impressão de que as palavras dali em diante seriam desnecessárias.

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