Pais e filhas

Imagem: iStcok

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Nasci no dia 15 de agosto, de 2011, às sete horas da manhã, com a cara de espanto como é comum aos que vêm a esse mundo pela primeira vez, e logo a sala se encheu de soluços e de choro e de felicitações. Há os que não choram e que se fazem de durões, que para chorarem precisam que alguém lhes estapeiem de alguma forma. Mas esse nunca foi o meu caso. Tenho o choro frouxo. Sou desses que choram até com cena de novela. Entretanto, antes mesmo que vocês pensem que ao dizer-lhes isso abri o maior berreiro, como é comum do tipo, digo que vim a esse mundo de forma discreta. E digo também que se hoje escrevo esse texto, porém, não foi sem dificuldade que cheguei até aqui.

Apesar de não ter nascido prematuro- pelo contrário, meu parto durou 11 anos!- houve muitas complicações durante o percurso. Eu estivera agarrado ao útero de uma juventude irresponsável que se pensava eterna, como toda juventude, e que, por achar que me conhecia tão bem, imaginava estar mais seguro: sendo que o que existia lá fora, simplesmente não me atraia em especial.

Muitas vezes, quando indagado quando chegaria a minha hora, simplesmente respondia com muxoxos, evasivas, ou até mesmo era indelicado com quem quer que fosse. Afinal, o que haveria de tão bom nisso? Já não existiam tantos por aí a desempenhar semelhante papel, ou não, a bater-se pelas esquinas? E assim, eu levava a vida: tão preocupado como quem anda a chutar latinhas pela rua.

Até que um dia vi seu coração bater.

Sem que percebesse, meus amigos, meus olhos ficaram molhados e um frio súbito correu-me à espinha. Sim, eu começava a nascer! E não era como uma bronca que você pode se livrar, inventando uma mentira qualquer, ou a sujeira que podemos jogá-la de repente para baixo do tapete. Nascer é uma planta que nos germina pelo corpo e corre a olhos vistos. E quando damos por conta, seus ramos estão à mostra pelos sete buracos da cabeça e inclusive até aqueles pássaros cantando pela manhã julgamos ser para as flores que nos brotam.

Mas vir ao mundo dá medo (acho que já disse isso. Se não disse, talvez tenha ficado nas entrelinhas. Mas, em todo caso, sempre é bom lembrar) e vir a este mundo dá mais medo ainda. O passaporte para “viver” são as lágrimas. Chora-se para entrar e para sair. Isso não é engraçado?

Então fiz o que me parecia mais sensato, já que não conseguia dormir. Assisti a um show antigo do “Sex Pistols”.

Nas últimas horas que precederam o meu nascimento, mandei uma mensagem para o meu irmão, Marcelo.

“Olá irmão, bom dia. Até o amanhecer eu devo estar nascendo, assim como você.” Isso foi às 04:45.

Bem, eu não poderia imaginar que em vinte minutos meu irmão estaria ali, às portas do hospital a amparar-me a mim e as minhas lágrimas- como não poderia deixar de ser. “Que porra é essa? Seja homem, porra! Segura essa onda!” falou o meu querido irmão. Mas é justamente em momentos como esses em que nós já não sabemos onde começa o homem e termina a criança.

E de repente, lá da barriga da mãe, o médico tirou uma menina. E ela chorou, e a mãe com ela. E eu com as duas- ainda, como não poderia deixar de ser- Então foi assim que nasci. Eu dei a ela um nome. Júlia, por conta de uma canção dos Beatles. E ela, carinhosamente me retribuiu.

Ela me chama de pai.

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