Um dia. Um buraco

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Ali, por entre as lápides, o menino observava. Por onde ele teria se metido? O terreno, acidentado e arenoso faria qualquer um andar com dificuldade. Mas não aquele menino; que praticamente crescera naquele lugar. O pai, que acordava antes do sol nascer todas as manhãs, levava-o sempre, porque não tinha com quem deixa-lo em casa.

Brincar de esconde-esconde entre túmulos de um cemitério também pode ser divertido. O menino e o gatinho, que procurava agora, sabiam disso. Lá fora, por trás dos portões do cemitério, um cortejo se aproximava. Os cânticos e as orações vinham na frente. E em pouco tempo chegariam àquelas expressões abatidas vestidas de negro, olhos inchados e os narizes vermelhos. Era mais um defunto.

No cemitério havia uma enorme gataria. Ocupada demais em caçar algumas ratazanas que apareciam por ali de vez em quando, ou distrair-se com a sombra de um galho seco balançado, estirar-se ao sol, ou tentar alcançar o próprio rabo. O menino se ocupava dos gatos. E assim como eles, era insensível àqueles rituais e àquela rotina das pessoas grandes quando morrem.

Com um pedacinho de um graveto à mão, de longe o menino observava o pai, cavando mais um túmulo. E todas as pessoas em volta chorando, enquanto as cordas desciam o caixão. Era sempre assim.

“Pai”, uma vez perguntou o menino, “Todo mundo vai morar um dia num buraco?”.
O pai, abastecendo mais um copo de aguardente, antes de entorná-lo, respondeu lhe:
“Todo mundo vai morar no buraco um dia. Até seu pai.. É assim…”.

O menino, depois de ter se distraído com aquelas pessoas grandes, que agora retornavam às suas casas, voltou novamente sua atenção para o que havia de mais importante. Seu gato.

Procurou por todos aqueles túmulos, por todas aquelas cruzes, que conhecia tão bem. Nada! Só o descobriu depois de muito tempo. Por causa de uma pata do gatinho, com uma marca de nascença, bem peculiar aos demais que havia ali no cemitério, e por conta do pelo malhado. A cabeça havia sido esmagada. Provavelmente, por conta de alguns bêbados que por ali apareciam, ou de alguns vândalos, que violavam túmulos durante a madrugada.

Chorando, o menino espantou as moscas. Tomou o que sobrou do gato, e assim o carregou no colo, manchando a camisa de sangue e de lágrimas.

Com a lasca de uma pedra, cavou bem fundo um buraco. E a exemplo das pessoas grandes, rezou pela alma do gato. Fez uma cruz, com pedaço de fio encontrado pelo chão.

Imagem: Taken By Force – Scorpions

 

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