O Viajante

Publicidade

“Cara, você vive no passado”, disse um amigo. Claro que não deveria levar aquilo em consideração. Afinal, dos museus às séries de tv, há sempre lugar para um saudosista. Uma fatia do mercado a ser explorada. Apresentando sempre a mesma roda aos macacos e ainda assim, causando espanto. Além dos mais, todas às vezes em que nos encontrávamos, esse meu amigo e eu, era para falar sobre pessoas que não víamos há muito tempo ou de momentos marcantes que haviam acontecido em nossa vida. E era justamente o que estávamos fazendo há horas, enquanto bebíamos.

“As coisas mudam,” continuou. “Você tem que sair da caverna, começar usar as redes, se quiser divulgar seus textos. Ninguém te conhece, porra!” Na mesma hora uma estranha sensação me fez lembrar dos pergaminhos do mar morto. Talhados em argila há milhares de anos. E que ainda estão por aí.

Pagamos a conta, nos despedimos, com a promessa de marcarmos uma pelada, para relembrar os velhos tempos, ou num futuro qualquer, naquele mesmo bar, para falarmos do passado.

No caminho para casa, fui meditando em relação ao que havíamos conversado. Sobre o meu tédio em relação à tecnologia e minha inadaptabilidade quanto ao novo. De quantas vezes no trabalho solicitava a ajuda de um ou outro para as ações mais triviais de um computador. Lembrei, de quando adolescentes, reuníamos na calçada da casa de meus pais, sempre à noite- um grupo de quatro, às vezes cinco garotos-para falar coisas sobre a terra, a água e o ar. Olhávamos para as estrelas, fãs de Jornada e Guerra nas Estrelas, e mesmo com um futuro todo à frente- como só um garoto de doze anos pode ter- insistíamos na ideia de como deveria ser incrível se tivéssemos vivido nos anos sessenta. Ah. se houvesse uma máquina do tempo….

“Se você viajasse na velocidade da luz, mesmo nas condições apropriadas, o seu cérebro não entenderia. Para o seu cérebro, você estaria vivendo ainda na mesma época em partiu, embora se tivessem passado milhares de anos” Alguém da turma falou.

Por via das dúvidas, ao chegar em casa, saquei minha cédula de identidade da carteira. E, como imaginei, sim sou um homem que veio do passado. Do milênio passado! Caí nesse tempo, como um anjo cai do céu. Cheguei na velocidade da luz. Num piscar de olhos. O meu cérebro não entendeu ainda essa viagem- como falaram lá atrás, na calçada. Houve uma avaria nos sistemas da minha máquina do tempo. Os meus cabelos estão grisalhos. E um pouco escassos. Tenho rugas. Às vezes os ossos me doem.

Hoje, na Internet, um ou outro adolescente aficionado por séries como Stranger Things e afins- com todo um futuro à frente- escreve “Como gostaria de viver nos anos oitenta! Os anos oitenta é que deviam ter sido incríveis!”

Eles também – a seu tempo – viajarão. E olhando para outros garotos verão a si mesmos, numa versão mais jovem, falar do tempo em que estão vivendo agora. E dirão consigo.

– Sim, foram incríveis-Vocês não sabem o quanto….

Sair da versão mobile