Os mascarados – Parte 3

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Um dia decidira, por conta própria, mantê-la isolada no quarto. Para o bem da criança e dele, que ainda era o único que estava em condições de prover-lhes o sustento, explicou. Ela entendeu e concordou. Já havia perdido peso, tinha febre, e as tosses secas não cessavam, assim como o sangue. Além do mais, os hospitais estariam lotados. Não haveria muito o que fazer. Apenas esperar em casa, é o que lhes diriam. Então todos os dias ele abria a porta e, rapidamente, sempre de máscara, estendia-lhe o prato. Pedia os lençóis sujos, toalha, peças íntimas, e lhe entregava os que estavam higienizados e limpos. Não falava muito, como de costume. Apenas quando ela lhe perguntava, por trás da parede: Que dia era hoje? Era dia ou noite? O garoto já havia se alimentado?

Quando queria lhe informar sobre algo que não pudesse dizer em voz alta, por conta das paredes conjugadas, bilhetes por baixo da porta:

Consegui um trabalho fabricando álcool em gel. A coisa não é legal, se assim posso dizer, mas não posso me dar ao luxo de escolher. É uma mistura. Não se preocupe, vai dar tudo certo.

Então ela escrevia em outro bilhete, passado também embaixo da porta.

Ok. Tome cuidado.

Assim passavam-se horas até que ele chegasse. Deixava tudo pronto para o garoto. E ela, lá da cama, mesmo cansada, pela falta de ar, não conseguia dormir. Atenta ao que o garoto fizesse, do outro lado. Comunicando-se com o menino, do outro lado da parede. Orientando-lhe no que fosse preciso. Para passar o tempo, enquanto seu esposo não chegava — também para tentar driblar a ansiedade da falta de cigarros — observava os ratos que iam e vinham. No começo, assustou-se com suas sombras. Depois, foi se acostumando com aqueles chiados. Lembrou de Cinderela e deu a cada um deles um nome. Como foi o dia de vocês, meus amigos?, perguntava.

Como deveria estar a vida lá fora?, pensava. Dali daquele quarto não podia saber muito, além dos eventuais sons de sirene. Mas por aquela parede ouvia desde o ronco de um peito cansado a peidos sem cerimônias e gemidos. Nesse momento lembrava que há meses seu esposo não a procurava. Bem antes dos escarros de sangue. No início imaginou se tratar de uma amante. Depois entendeu que se tratava de preocupação. Então escutou, da parede, um outro caso de violência sexual. Agora envolvendo uma menina de treze anos. Novamente um mascarado. Aquilo a deixou apavorada. Se o esposo continuasse saindo, como poderia se defender? Ela, uma tísica. Ou coisa assim. Como poderia defender seu filho de um monstro? A parede lhe confidenciou que, mesmo menor em força e tamanho, a garota, que andava com uma faca escondida, atingiu o rosto do abusador mascarado, marcando-o. A mulher esperou o esposo chegar, trocar os panos sujos por outros panos, limpos e higienizados. Esperou colocar o prato de comida. Então, enfiou um bilhete por baixo da porta.

Soube da menina que foi estuprada? Eu tenho medo. Estou com muito medo de ficar só com nosso filho. De saber que algo assim anda à solta.

A reposta demorou mais do que o de costume.

Outro bilhete debaixo da porta dizia:

Abra, mas não faça nenhum espanto. Está em frente à porta do quarto, no chão.

Quando ela abriu a porta, no chão, havia uma caixa. Ela pegou e trouxe para junto de seu peito. Já sobre a cama, abriu a tampa. Encontrou um outro bilhete dobrado, e algo envolto num pano. Tocou. Era rígido e pesado. Apesar da curiosidade pelo embrulho, leu logo o bilhete, que dizia assim:

Sim, fiquei sabendo da garota, mas não quis lhe dizer, para lhe poupar — por isso estou evitando ligar até a televisão. Você precisa de descanso. Você não faz ideia de como estão as ruas. Ambiente muito perigoso. Há muitas histórias por aí. Saio todas as noites, e você não imagina, você não faz ideia do que estão sendo capazes.

Dentro desse embrulho há uma arma. Está carregada. Se você perceber uma movimentação estranha, alguém tentando arrombar nossa porta enquanto não chego, atire. Atire para matar.

Quando leu esse trecho, assombrada, levou a mão à boca. Então continuou.

Talvez não precisemos chegar a esse extremo, mas devemos estar preparados para tudo. Venho conseguindo me manter vivo e nos manter — e só Deus sabe como não enlouqueci. Não me perdoaria se algo lhe acontecesse ou ao nosso filho. Consegui comida. E alguns remédios para você.

Cuidadosamente abriu o pano que estava dobrado e, no fundo, lá estava. Sentiu o cabo em sua mão e apoiou o dedo no gatilho frio. Observou o desenho das linhas que iam até o cano e estremeceu. Ele, que nunca foi a favor de armas, como conseguiu, pensou. Mas não importa. Parecia estar tão focado em viver, em protegê-los, que saiu do torpor em que se encontrava até então. Ela apontou para um dos ratos e pensou: Acho que não dever ser tão difícil. Se ele vem se esforçando todas as noites para nos proteger, também o farei. Farei o que preciso for.

Gostei do presente. Mas preciso praticar.

Acho que essas coisas se aprende rápido, enviou a ela sua resposta, ao mesmo tempo em que ria, do outro lado da porta.

Com o passar do dia, ela ficava mexendo no seu brinquedo. Descobriu, de repente, que há um local na lateral do revólver em que se apertando destrava-se o tambor e as balas caem. Então passava horas admirando a bala, seu desenho, suas cores. Imaginava aquela ponta de metal perfurando a carne e o osso de alguém. Perguntava-se quanto tiros seriam necessários para matar alguém, ou, além do coração, para qual outro órgão deveria apontar o seu revólver. Colocava a arma descarregada na cabeça e apertava o gatilho. Quando não, na altura do queixo ou na boca — simulando felação. Só para passar o tempo. E, como um rato, também fazia buracos na parede.

Houve uma noite em que alguém tentou forçar sua porta.

Seu filho estava dormindo e seu esposo não estava em casa. Naqueles dias, conversando com ratos, escutando gemidos, com uma arma na boca, ela só conseguia dormir quando ele chegava, tarde da noite.

Com as mãos trêmulas, destravou o tambor. Tentava colocar as balas do revólver, que caiam no chão. Ao mesmo tempo em que a porta era forçada. Mais e mais. Ela não tinha tempo para se abaixar e procurar as balas que rolaram pra debaixo da cama. Havia duas ou três no tambor. Se a sequência de tiros fosse deflagrada rapidamente, suas chances amentariam, já que em seu revólver cabiam seis munições.
Pode entrar, seu filho da puta, disse de si para si, quando saiu do seu quarto, postando-se de frente a porta. Até que a chave do lado de fora girou e abriu de repente.

Amor?

Era seu esposo. Ela não viu o rosto — ambos estavam na penumbra. Usava máscara. Reconhecendo-lhe a voz, retornou ao quarto.
À parede.
Aos chiados.

***

Havia acordado com boa disposição. Há dias que as costas não lhe doíam, nem escarrava sangue. A febre não a visitara mais nos fins de tarde. Adquirira peso, achava. Não conseguia contar as costelas com facilidade. Seu esposo, precisava dividir aquilo com ele, pensou. Afinal, foi devido aos seus esforços que ela estava agora ali, viva. De repente, seu pensamento foi cortado pela agitação da parede. As pessoas estavam efusivas. Não sabia definir aquilo, mas era uma mistura de saudações, preces e choros. De gritos e pulos. Riu e pensou que talvez sua alegria tivesse passado para a parede. Pensou que talvez a parede quisesse também celebrar, da sua forma, a sua saúde. Então escutou o grito de pessoas nas ruas, fogos, buzinas. Não só parede, mas o mundo agora parecia se contagiar em saber que ela havia melhorado.

Com o ânimo renovado, juntou força e abriu a porta do quarto. Seu filho, que assistia televisão, saltou em sua direção.
Mamãe, mamãe, encontraram a cura! Encontraram a cura!, disse.

Ela, a primeira vez em muito tempo sem o uso de uma máscara, abraçou-lhe e chorou. Sentiu a pele macia de seu rosto e o beijo úmido. Foram até a janela. Assim como eles, as pessoas se abraçavam. Conhecidos ou não. Tiravam suas máscaras, jogavam no chão. Queimavam-nas.
A fechadura dava voltas nervosamente. Era seu esposo. Que ao abrir a porta, jogou a máscara a um canto. Os dois correram para os braços um do outro. Os lábios se colaram. Não disseram nada. Ela apenas o abraçou apertadamente. Com a cabeça em seu peito, passou a mão em sua face. Sentiu uma cicatriz.

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