A ser para si

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E aqui mais um belíssimo texto do poeta Eduardo Ezus, que por esses dias vai estar me ajudando na coluna, enquanto finalizo um projeto. Acho que não preciso dizer que estarão em boas mãos. Até logo.

Disse que escrever é um trem passando o dia todo no meio da gente. Gostava de frases com finais que deixavam no ar uma coisa de sem-fim, que depois pudesse voltar a elas e vê outro dizer, e no outro dia, outro de-novo. Aí ele pegou um tomo com as obras completas de um Platão e mostrou o Crátilo. Gostei tanto do nome que anotei. O nome é bonito, num acha? A gente na pista e de repente: Crátilo. Todo mundo olha. Pensa “mas que sujeito, hem?” Disse que ali havia um discurso sobre os nomes, as coisas. Aí foi nesse momento que ele disse Escrever é um trem passando o dia todo no meio da gente, que foi o que eu achei ainda mais bonito que Crátilo. Eu pensei que agora eu não preciso mais ler o tal do tomo, mas ele chegou e me jogou de novo no buraco e disse que a procura é mais importante que o achado, algo assim, nuns termos mais tchan, cheio de coloração e um desenhado bonito, eu pensei Ele deve ser um pintor da fala, pois ele só dizia, dizia, não escrevia, sabia muito sobre quem escrevia, mas ele mesmo, nada. Quando o conheci foi sentado no banco da Paz de Deus, a praça, e ele já contava umas filosofias tronchas que eu Pá, pensei, é isso! E toda vez que a gente se falava ele tinha bem o que dizer, chegava com umas perguntas que eu pensava Poxa esse cara só deve passar o dia pensando pra vim com umas dessas e foi aí que perguntei um dia Tu é um escritor da porra, né não? e ele disse que o livro dele estava todo na cabeça, ele sentia o livro, olhaí, dizia que um Nietzsche passou a ideia 100 anos antes, que a dor de cabeça do escritor era uma dor do parto, olha a viagem. Disse que estava procurando a palavra pulsante, que o escritor de verdade passa mais tempo mesmo é sem escrever, procurando, procurando, e tem uns que até nem chegam a escrever, quando muito o nome, no que eu encuquei Escritor que não escreve? Aí ele rindo disse que havia o texto profundo, que havia um texto dentro do texto, e falou umas coisas bem pã, daquele jeito, que deixa o final no ar, saca? E eu ri demais daquilo. Não de deboche, é que… viajando mesmo, eu ri mesmo da viagem. E ele ria também, por que sabia que era um loucura a gente ali na meia-sombra, um sol quente do … falando umas ondas dessas. Mas ele ria levando a sério, pois sempre no final do riso ele vinha com uma frase ainda mais solta e que já nem tinha mais graça de tanto ar que era, disse que a palavra que ele procurava era viva, uma palavra-peixe, uma palavra-cidreira, uma que você olhasse e sentisse o cheiro e precisasse dela, mas também tinha que ser uma que fizesse o que quisesse, aí eu pensei Uma palavra-pinha, que só dá no tempo dela mesmo, e só, mas ele foi fundando e fundando, dizendo que era uma que afirmasse a própria liberdade e que fosse raiz, radical, derivações e tudo junto, eu pensei Mó louco meu, ele foi fundando mais, dizendo que além de tudo isso fosse uma que nem nome mais tivesse, era só presença mesmo e só tinha que ser essa, o livro dele ia ter só uma palavra e tinha que ser só essa, e foi dizendo que ela não precisava de motivo nem justificativa pra ser como era, que era assim como era e pronto, e eu fui entrando numa onda ouvindo tudo aquilo, senti uma coisa assim como se eu pudesse ajudar ele a encontrar a tal palavra, assim, do nada,  como de uma hora pra outra eu fui lembrando o que ele tinha dito e eu pensei que aquelas coisas todas que ele dizia, o que podia ser e eu do nada mandei pra ele assim Essa palavra que tu procura num é Mulher não?

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