Grave, negligenciada e de difícil controle, a leishmaniose visceral, também conhecida como calazar, afeta principalmente populações vulneráveis das regiões Norte e Nordeste do Brasil. Transmitida pelo inseto comumente chamado de “mosquito-palha” (Lutzomyia longipalpis) e causada pelo protozoário Leishmania infantum, a doença parasitária registra cerca de dois mil casos por ano no país, com alta taxa de mortalidade e forte associação a contextos de desmatamento, urbanização desordenada e falta de saneamento básico.
Com esse pano de fundo, uma palestra realizada nesta quinta-feira, 12, na unidade acadêmica do Instituto de Medicina Tropical (IMT/UFRN), no Campus Central da UFRN, apresentou avanço promissor no enfrentamento da doença. Trata-se do desenvolvimento de uma nova proteína quimérica recombinante voltada ao diagnóstico da leishmaniose. A apresentação foi conduzida pela bióloga Hemilly Rayane Silva, pesquisadora da Fiocruz Pernambuco. O trabalho tem orientação do biólogo Osvaldo Pompílio de Melo Neto, da mesma instituição.
A construção do gene quimérico foi feita com base em abordagens in silico (por meio de simulações computacionais), utilizando ferramentas de bioinformática para combinar sequências antigênicas de interesse. A nova proteína teve sua eficácia avaliada por meio da técnica ELISA (ensaio imunoenzimático), com resultados que demonstram grande potencial para aplicação em testes sorológicos da doença.
O estudo representa um avanço para a ciência nacional, pois o teste é totalmente produzido no Brasil, sem depender de antígenos importados. Além de mais acessível, o material pode ser utilizado por populações vulneráveis, com resultados rápidos e satisfatórios em poucos minutos. Outra questão importante é que a UFRN tem colaborado com este avanço.
Colaboração UFRN – Fiocruz

No Brasil, a leishmaniose visceral é reconhecida como uma das principais zoonoses urbanas, com cerca de 3 mil casos humanos registrados anualmente. A transmissão ocorre tanto em áreas rurais quanto nas periferias das grandes cidades. Os cães domésticos desempenham um papel crucial nesse ciclo, atuando como principais hospedeiros e reservatórios do parasita, o que contribui para a manutenção da transmissão da doença para os seres humanos.
Apesar da gravidade, a doença integra a lista da Organização Mundial da Saúde (OMS) de enfermidades negligenciadas. Isso significa que afeta sobretudo populações pobres e marginalizadas, com baixo investimento em diagnóstico e tratamento. Um dos principais entraves ao seu controle é justamente o diagnóstico precoce. Isso porque, segundo os pesquisadores, os testes disponíveis têm baixa especificidade, o que dificulta a detecção em humanos e interfere na política de controle canino, já que cães com resultado positivo são submetidos à eutanásia.
Nesse contexto, a nova tecnologia brasileira surge como alternativa promissora. “A Fiocruz Pernambuco vem trabalhando há mais de 20 anos no desenvolvimento de um antígeno nacional para o diagnóstico da leishmaniose visceral. Na última semana, realizamos um estudo conjunto: o IMT com as amostras características de pessoas e cães com a doença, oriundas do Rio Grande do Norte, e a Fiocruz com os antígenos produzidos por eles. Futuramente, esse material pode ser utilizado pelo Ministério da Saúde e até mesmo por outros países endêmicos, como a Índia”, explicou a pesquisadora Selma Jerônimo, coordenadora do Instituto de Medicina Tropical.
A expectativa é que, com a validação do teste para humanos e cães, a proteína quimérica seja incorporada em plataformas diagnósticas, contribuindo para um controle mais eficaz da leishmaniose visceral e ajudando a reduzir o número de casos graves da doença.
Imagem de capa: Reprodução
Fonte: Agecom/UFRN